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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

MPSC XXXIV- Penal e Processo Penal - 3ª Questão

Resolução da prova dissertativa
XXXIV CONCURSO PÚBLICO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA – 2010
Prova de Direito Penal e Processo Penal
3ª Questão - Ver a Questão

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Comarca de Chapecó/SC

O Ministério Público de Santa Catarina, por seu Promotor de Justiça abaixo assinado, no uso de suas atribuições legais, vem, nos autos n. Tal, com fulcro no art. 129, I da CF, art. 24 do CPP e art. 82, IV da LCE 197/00 oferecer

DENÚNCIA

em face de NILVANIO, brasileiro, solteiro, pintor, moreno, estatura alta, com tatuagem no braço, nascido em Chapecó/SC, em 27 de outubro de 1968, filho de Maria, residente na Rua X, Bairro XX, Chapecó/SC;
NILVO, brasileiro, solteiro, servente de pedreiro, natural de Chapecó/SC, nascido em 27 de dezembro de 1970, residente na Rua A, Bairro São Cristovão, Chapecó/SC, atualmente recolhido no presídio público local;
OLIVANIO, brasileiro, casado, filho de Tereza, nascido em 40 de janeiro de 1969, residente na Rua B, Bairro XX, Chapecó/SC, atualmente recolhido no presídio público local;
LIVANIO, braileiro, solteiro, profissional liberal, nascido em 09 de agosto de 1984, residente na Rua C bairro D, Xanxerê/SC, atualmente recolhido no presídio público local; pela prática dos seguintes fatos delituosos:

Da associação para o tráfico e do tráfico de drogas

No ano de 2008, nesta cidade de Chapecó/SC, os denunciados NILVANIO e OLIVANIO se associaram para praticar o tráfico de drogas, consistente na aquisição, guarda, ocultação e venda de droga (crack), atividade a ser desenvolvida na residência de NILVANIO, situada na imediação de um hospital.

Assim, no dia 27 de novembro de 2008, no local acima mencionado, os denunciados NILVANIO e OLIVANIO venderam 3 papelotes de droga vulgarmente conhecida como “Crack”, pesando aproximadamente 3 gramas, para o usuário Olivio. Não bastasse, os denunciados mantinham em depósito no local mais 2 quilos de droga conhecida como “Crack”, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Do furto simples

Em data anterior, aproximadamente no dia 20 de novembro de 2008, na residência da vítima Maria, situada no Bairro São Cristóvão, Chapecó/SC, o denunciado NILVO subtraiu para si uma arma de fogo, calibre 38, marca Taurus. O denunciado era o próprio filho da vítima, a qual possuia mais de 60 anos de idade.

Do latrocínio

No dia 27 de novembro de 2008, agindo em comunhão de vontades e união de esforços, os denunciados NILVANIO, OLIVANIO e NILVO se dirigiram até o posto de combustíveis situado na saída da cidade de Chapecó. Uma vez no local os denunciados NILVANIO e OLIVANIO renderam as vítimas Dilvete e Caroline e, sob grave ameaça de morte realizada com emprego de armas de fogo que traziam em punho, subtraíram para si a quantia de R$ 9.100,00 em espécie e diversos cheques no valor de R$ 41.900,00. O denunciado NILVO permaneceu do lado externo, vigiando a ação e dando cobertura aos co-agentes.

Ato contínuo, para assegurar o sucesso da subtração, os três denunciados colocaram as vítimas Dilvete e Caroline no interior do veículo VW Golf que conduziam. Entretanto, com a chegada de policiais militares os agentes efetuaram diversos disparos de arma de fogo para garantir a posse sobre os bens, vindo alguns dos disparos a atingir as ofendidas, causando-lhes as lesões descritas no laudo de exame cadavérico de fls, o que foi a causa eficiente da morte de Dilvete e Caroline.

Da ocultação de cadáver

Nas mesmas circunstâncias de tempo, após lograrem êxito na fuga, já na cidade de Xanxerê, os denunciados NILVANIO e OLIVANIO se dirigiram até o cemitério Municipal, onde, mediante determinação de NILVANIO, o agente OLIVANIO ocultou os cadáveres de Dilvete e Caroline em uma sepultura por ele violada.

Do furto simples

No mesmo momento, aproveitando-se da situação, o denunciado OLIVANIO subtraiu para si um relógio de marca e dois anéis que estavam no cadáver de Caroline.

Do furto qualificado

Em seguida, já no período noturno, os denunciados NILVANIO e OLIVANIO, agindo em união de desígnios, dirigiram-se até o estabelecimento Airton Jóias, situado na cidade de Xanxerê, onde romperam a janela do banheiro e subtraíram para si, do interior da loja, cheques e jóias avaliados em R$ 33.636,00.

Do porte ilegal de arma de fogo

No dia seguinte, em 28 de novembro de 2010, na via pública próxima a residência situada na rua C, bairro D, Xanxerê, o denunciado NILVANIO portava um revolver calibre 38, marca Rossi com a numeração raspada, enquanto o denunciado OLIVANIO portava revolver calibre 38, marca Taurus n. KE 445879, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Da adulteração de sinal identificador de veículo

Não bastasse, no mês de novembro de 2008, nesta cidade de Chapecó, o denunciado NILVO adulterou a placa da motocicleta CG 125, fixando fitas adesivas e modificando os números e letras de identificação.

Do crime de posse de fotos pornográficas envolvendo adolescente

Por fim, no dia 28 de novembro de 2008, em sua própria residência, situada na rua C, bairro D, Xanxerê, o denunciado LIVANIO possuia e armazenava 100 fotografias impressas e outras em meio digital além de vídeos com cena de sexo explícito envolvendo a vítima Neiva, adolescente nascida em 01 de outubro de 1993, que contava com apenas 15 anos de idade.

Assim agindo os denunciados NILVANIO e OLIVANIO infringiram o disposto no art. 35 e art. 33, caput, ambos c/c art. 40, III, todos da Lei 11.343/06;
NILVO infringiu o disposto no art. 155, caput, c/c art. 183, III do CP;
NILVANIO, OLIVANIO e NILVO infringiram o disposto no art. 157, §3, segunda parte do CP;
NILVANIO e OLIVANIO infringiram o disposto no art. 211 do CP;
OLIVANIO infringiu o disposto no art. 155, caput do CP;
NILVANIO e OLIVANIO infringiram o disposto no art. 155, §2, I e IV do CP;
NILVANIO infringiu o disposto no art. 14, caput da Lei 10.826/03;
OLIVANIO infringiu o disposto no art. 16, parágrafo único, IV da Lei 10.826/03;
NILVO infringiu o disposto no art. 311 do CP;
LIVANIO infringiu o disposto no art. 241-B da Lei 8.069/90 (ECA).

Ante o exposto, o Ministério Público requer o recebimento da presente denúncia, citando os denunciados para oferecerem resposta a acusação (art. 396-A do CPP), com a posterior designação de audiência de instrução e julgamento, ouvindo-se as testemunhas abaixo arroladas (art. 411 do CPP) para, ao final, caso provados os fatos narrados, sejam os denunciados condenados, bem como seja fixado valor mínimo para fins de indenização, nos termos do art. 387, IV do CPP.

Chapecó, 13 de dezembro de 2008.

Promotor de Justiça Substituto

Rol de testemunhas:
1 – Olivo, qualificado em fls;
2 – Maria, qualificada em fls;
3 – Anildo, qualificado em fls;
4 – Neiva, qualificada em fls.





Excelentíssimo Senhor Juiz da Vara Criminal da Comarca de Chapecó/SC

Autos n. Tal

1 – Segue denúncia em separado.

2 – Diante dos fatos apurados, o Ministério Público deixa de oferecer denúncia em face dos seguintes agentes pelos respectivos fundamentos:

NILVO na associação para o tráfico e no tráfico de drogas: Consta nos autos que havia mera suspeita de envolvimento do agente nas citadas práticas delituosas. Entrementes, não há nos autos elementos mínimos que justifiquem a deflagração da ação penal, faltando justa causa (art. 395, III do CPP).

NILVO no delito de dano: embora haja indício da pratica do crime de dano, trata-se de ação penal privada, inexistindo legitimidade ativa ao parquet. Quanto ao dano nas viaturas, decorrentes dos disparos, inexiste o delito por ausência do elemento subjetivo bem como por ter sido o fato absorvido pelo latrocínio.

NILVO pela corrupção ativa: em que pese haver indício no feito de que o agente tenha pedido a um policial para lhe “quebrar um galho” cumpre salientar que tal conduta não configura, por si só, a prática de corrupção, na medida em que não houve oferecimento ou promessa propriamente dita de vantagem indevida.

NILVO no uso de documento falso: conforme apurado, o documento é produto de falsificação grosseira, sendo que segundo o entendimento jurisprudencial esta circunstância torna o fato atípico, pois é crime impossível.

MARIA e NILVO pela posse ilegal de arma de fogo de uso permitido: não cabe denúncia contra tais fatos na medida em que ocorreram durante período de “vacatio legis” indireta, em razão da possibilidade de entrega voluntária das armas decorrente da prorrogação dos prazos contidos nos art. 30 e 32 da Lei 10.826/03.

MARIA e ANILDO pelo favorecimento pessoal: Quanto a primeira não há interesse processual na medida em que há isenção de pena decorrente do parentesco, além de pesar em favor de ambos os agentes a ausência de elemento subjetivo, pois não há nada que indique terem os agetes tomado conhecimento acerca da fuga dos ora denunciados.

ANILDO pelo ingresso de aparelho celular em presídio: Quando da prática da conduta o fato não era previsto como crime, vez que a figura só foi incluída no CP (art. 349-A) no ano de 2009.

3 – Compulsando os autos, verifica-se que o denunciado NILVANIO não foi preso nas ações policiais, encontrando-se em local incerto e não sabido. Deste modo, considerando que sua liberdade coloca em risco a ordem pública e a aplicação da lei penal, há que se decretar sua prisão preventiva.

Os requisitos do art. 313 do CPP estão presentes, sendo o crime imputado ao réu doloso e punido com reclusão. Quanto aos pressupostos do art. 312 há prova nos autos da prericulosidade do agente, pois, além de ter perpetrados os gravíssimos crimes de tráfico (cuja liberdade provisória é constitucionalmente vedada) latrocínio, dentre outros, o denunciado possui maus antecedentes criminais pesando contra si várias condenações por crimes contra o patrimônio. Tais fatos comprovam sua personalidade voltada para o crime e sua contumácia na violação do patrimônio alheio, sendo que permanecendo solto encontrará os mesmos estímulos para continuar a delinquir, colocando em risco a ordem pública.

Não fosse o suficiente o denunciado logrou êxito na fuga e rumou para local desconhecido, sendo que tal conduta indica seu ânimo de não atender o chamado judicial, colocando em risco a aplicação da lei penal.

Destarte, preenchidos os requisitos legais, com base no art. 312 e 313 do CPP, o Ministério Público requer a decretação da prisão preventiva do denuciado NILVANIO.

4 – Também consta nos autos que o adolescente LOVANIO praticou atos definidos como crime. Todavia, diante de sua inimputabilidade penal (art. 228 da CF e 27 do CP) bem como da prática de ato infracional, requer-se a extração de cópias e sua posterior remessa ao Juizado da Infância e Juventude (art. 104 do ECA) para fins que entender de direito, com base no art. 79, II do CPP.

5 – Foi apurado o possível envolvimento de terceira pessoa nas praticas delituosas (AIA ou ANGELINA). Todavia há necessidade de maiores investigações para apurar a eventual participação desta pessoa. Deste modo, considerando que há nos autos informações de telefones e endereços eletrônicos (e-mail) da referia suspeita, existe necessidade de realizar a quebra do sigilo telefônico e telemático com a interceptação de tais meios de comunicação, vez que preenchidos os requisitos da Lei 9.296/96 e Art. 5º, XII da CF.

6 – Também há fundados indícios de que o denunciado LIVANIO não possua integridade mental, pelo o que se faz necessário a instauração do incidente de insanidade mental nos termos do art. 149, submetendo o denunciado a exame pericial.

7 – Requer-se ainda o envio de ofício ao juízo das execuções penais, noticiando a suposta prática de falta grave por parte de ANILDO (art. 50, VII da Lei 7.210/84), haja vista a apreensão de aparelho celular em seu poder.

8 – Outrossim, pugna-se pela cisão do feito e remessa de cópia dos autos a Justiça Militar, para apurar eventual crime militar descrito no art. 303 do CPM praticado pelo policial militar VANIO, com base no art. 79, I do CPP.

9 – Considerando que o crime imputado ao réu LIVANIO é de médio potencial ofensivo, cuja pena mínima é de 1 ano, bem como diante do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos, requer-se a designação de audiência para proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95.

10 – Na mesma toada, diante do delito de menor potencial ofensivo praticado por OLIVIO (art. 28 da Lei 11.343/06) pugna-se pela designação de audiência de transação penal, propondo ao agente nos termos do art. 60, parágrafo único, art. 61 e art. 76 da Lei 9.099/95 e art. 48, §5º da Lei 11.343/06, a imposição de pena restritiva de direito de prestação de serviços a uma das entidades de recuperação de usuários de droga.

11 – Por fim, justifica-se a definição da competência no juízo da Comarca de Chapecó por ser o local da consumação do crime mais grave (latrocínio) nos termos do art. 78, II, “a” do CPP.

Chapecó, 13 de dezembro de 2008.

Promotor de Justiça Substituto

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

MPSC XXXV - Penal e Processo Penal - Questão 3

Resolução da prova dissertativa
XXXV CONCURSO PÚBLICO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA – 2010
Prova de Direito Penal e Processo Penal
3ª Questão - Ver a Questão

Excelentíssimo Sr. Juiz da __Vara Criminal da Comarca de Chapecó/SC

Autos n. Tal
Alegações Finais

Cuidam os autos de ação penal em que o Ministério Público ofereceu denúncia contra os seguintes réus, pelas respectivas infrações penais:

Apolinário, Beto, Celimar, Dado, Elivanio (Olivânio), Felício, Anilton, Hamilton, Ivânildo e Caroline por infração ao Art. 288 do CP c/c Art. 8º da Lei 8.072/90; Art. 159, §1º do CP (por duas vezes, vítimas Antoni e Erasmo); Art. 159, §2º do CP (vítimas Batista, Clo e Dé); e Art. 244-B do ECA.

Ivânildo por infração ao Art. 157, §2º, I e II do CP.

Hamilton por infração ao Art. 213 do CP.

Celimar por infração ao Art. 16, caput da Lei 10.826/03.

Hamilton por infração ao Art. 16, caput, da Lei 10.826/03.

Apolinário e Beto, por infração ao Art. 157, §3º, segunda parte do CP.

Beto por infração ao Art. 68 da LCP.

Klovânio por infração ao Art. 325 do CP.

Lino por infração ao Art. 348 do CP.

Após regular trâmite processual, encerrada a instrução, vieram os autos para fins de alegações finais, apresentadas por memoriais em razão da complexidade do feito (art. 403, §2º do CPP).

É o breve relatório.

Inicialmente, antes de analisar o mérito do processo é necessário tecer alguns comentários acerca da regularidade do processo bem como da necessidade de realização de providências de ordem processual.

Da cisão dos autos em face de Anilton e Caroline

Após o oferecimento da denúncia foi empreendida a citação pessoal dos acusados Anilton e Caroline, a qual, entrementes, restou infrutífera. Por tal razão foram os réus citados por edital, sobrevindo a suspensão do processo nos termos do art. 366 do CPP.

Destarte, considerando que os acusados se encontram em local incerto e diante da atual fase dos presentes autos, o MP requer a cisão do feito em face destes dois réus, haja vista que a separação se mostra conveniente (art. 80 do CPP).

Aditamento em face do réu Elivânio (Olivânio)

Considerando que o acusado Olivânio apresentou nome falso de Elivânio, cumpre salientar que as eventuais referências a Elivânio constantes no feito são direcionadas ao acusado Olivânio, vez que este é seu verdadeiro nome, de acordo com o aditamento da inicial já realizado em fls.

Da liberdade provisória

Na audiência de instrução e julgamento foi formulado pela defesa dos réus presos a concessão da benesse de liberdade provisória, sob o argumento de excesso de prazo na formação da culpa e de serem possuidores de residência fixa.

Inicialmente, quanto ao excesso de prazo, a alegação da defesa não merece prosperar, na medida em que a jurisprudência tem o firme entendimento de que havendo motivos para a razoável morosidade do trâmite processual não resta configurado o constrangimento ilegal. O caso dos autos é de grande complexidade, haja vista o elevado número de réus e de infrações penais apuradas, motivo pelo qual é plenamente justificável e proporcional o prejuízo à celeridade processual. Logo, não havendo desleixo na realização dos atos processuais a ser imputado ao juízo bem como à acusação, não resta configurado o alegado constrangimento ilegal.

Quanto a alegação de residência fixa, o e. TJSC tem jurisprudência pacífica no sentido de que esta circunstância não é suficiente para impedir a segregação cautelar ou ilidir seus pressupostos. No caso dos autos há necessidade de manutenção da prisão pois preenchidos os requisitos dos art. 312 e 313 do CPP, sendo que os delitos perpetrados são de elevadíssima gravidade, o que demonstra a periculosidade dos agentes (os quais integravam verdadeira organização criminosa) sendo que, soltos encontraram os mesmos estímulos para continuar a delinquir, colocando em risco a ordem pública.

Logo, o indeferimento da concessão da liberdade provisória é medida que se impõe, até porque não houve modificação dos fatos que ensejaram a decretação da prisão. Diante da mesma situação, cabível a mesma solução jurídica.

Da competência

Também na audiência de instrução e julgamento houve alegação, por parte da defesa, de nulidade processual em razão da incompetência territorial do juízo.

De fato, segundo as regras do art. 78 do CPP, havendo concurso de jurisdições de mesma categoria, o juízo competente é o do local em que foi perpetrado o crime mais grave, ou seja, Coronel Freitas, pois foi a Comarca em que se deu o latrocínio (crime mais grave).

Todavia, tratando-se de competência relativa, sua inobservância causa nulidade relativa, que só há de ser declarada quando devidamente comprovado o prejuízo. Não bastasse, houve prorrogação da competência da Comarca de Chapecó uma vez que a questão precluiu, pois a exceção não foi suscitada na forma e momento adequados (art. 108 do CPP).

Do procedimento especial de crime cometido por funcionário público

Foi aventada ainda a nulidade do processo por inobservância da norma contida no art. 514 do CPP (notificação prévia de funcionário público antes do recebimento da denúncia).

Em que pese não ter sido cumprida tal formalidade, não há que se falar em aplicação da sanção de nulidade, seja porque inexistiu prejuízo à defesa, seja porque a questão já está pacificada pela jurisprudência, haja vista o teor da súmula 330 da STJ, segundo a qual, a existência de prévio IP dispensa a prévia notificação do art. 514 do CPP.

Da nulidade da interceptação telefônica

A defesa de Celimar pugnou pela decretação de nulidade de todo o processo alegando que a degravação da interceptação não foi realizada por peritos oficiais bem como não se fez perícia para identificação das vozes captadas.

Entretanto o pleito não deve ser atendido, seja porque a eventual nulidade de uma prova não tem o condão de nulificar todo o processo, seja porque tais medidas são desnecessárias conforme o entendimento da jurisprudência.

A mera degravação não necessita ser realizada por expets pois se trata de mera transcrição de diálogos contidos em áudio captado durante a investigação, não sendo exigido conhecimento técnico específico para tanto. E a identificação das vozes é prescindível na medida em que há presunção de que são dos investigados, uma vez que captadas a partir de interceptação que recaiu sobre linhas e aparelhos de sua propriedade. Cabe à defesa comprovar a sua alegação de que as vozes são de pessoas diversas (art. 156 “caput”).

Ademais, a lei 9.296/96 que regulamenta a interceptação telefônica não exige tais medidas, portanto, a prova foi produzida segundo os preceitos e exigências legais.

Da nulidade em razão do não retorno das precatórias

A defesa de Olivânio ventilou a nulidade da audiência de instrução por ter sido ela realizada antes do retorno das cartas precatórias expedidas.

Ocorre que inexiste qualquer nulidade, pois não há que se falar nem sequer em atipicidade do ato processual, vez que realizado segundo as disposições legais do art. 222, §2º – é prescindível o retorno das cartas precatórias para o julgamento, quando vencido o prazo fixado e art. 222, §1º – a expedição da carta não suspende o processo.

Logo, considerando que a nulidade pressupõe a existência de atipicidade e prejuízo, incabível seu reconhecimento também neste ponto.

Da nulidade do depoimento de testemunha substituída

A defesa de Hamilton sustenta que o depoimento da testemunha substituída pelo MP deve ser desconsiderado em razão de ausência de previsão legal para a substituição.

Mais uma vez, a alegação não encontra fundamento, merecendo ser afastada. Isto porque a ausência da permissão de substituição não significa sua proibição. É plenamente cabível a medida, seja em razão da analogia com o CPC bem como com fundamento nos princípios do livre convencimento do juiz e busca da verdade real.

Ademais, vigora no processo penal o princípio da atipicidade probatória, podendo qualquer meio de prova ser produzido e utilizado para a busca da verdade real, atendidos os limites e vedações legais e constitucionais.

Considerando que a prova foi produzida sob o crivo do contraditório e não é vedada pelo ordenamento jurídico, descabe falar em sua desconsideração ou nulidade.

Da menoridade de Dado

Em face do acusado Dado, cumpre salientar que o processo deve ser extinto com base no art. 395 II c/c art. 386 III do CPP, na medida em que o réu era, ao tempo da infração, menor inimputável, pois contava com apenas 17 anos de idade.

Conforme certidão de nascimento juntada pela defesa somente na audiência de instrução e julgamento, Dado não tinha completado 18 anos de idade quando da prática dos delitos, sendo penalmente inimputável (art. 27 do CP e art. 228 da CF), razão pela qual requer-se sua absolvição e a extração de cópias do presente feito com sua posterior remessa ao Juizado da Infância e Juventude, para as medidas que entender de direito.


Do mérito

Da absolvição imprópria de Beto

Conforme apurado em incidente de insanidade mental o acusado Beto é inimputável pelos atos que lhe são imputados na denúncia (laudo de fls.)

Deste modo, considerando que há prova da materialidade e de autoria do réu Beto na prática dos crimes de quadrilha e extorsão mediante sequestro e corrupção de menores, deve ser absolvido na forma do art. 386, VI c/c 386, parágrafo único, III do CPP, aplicando-lhe medida de seguraça (art. 97 do CP).

Da atipicidade da extorsão tentada praticada contra a vítima Erasmo

Em que pesa haver nos autos comprovação da materialidade da tentativa de extorsão e prova da autoria não é possível a condenação dos acusados pela conduta perpetrada contra a vítima Erasmo.

Isto porque, muito embora os atos preparatórios (anúncio, contato telefônico e início do engodo) tenham sido realizados em face da vítima, sem intervenção das autoridades públicas, a execução recaiu contra um policial civil no curso das investigações em um verdadeiro “flagrante preparado”.

Neste sentido, a doutrina e jurisprudência são fartas em alegar que tal situação configura uma hipótese de crime impossível (art. 17 do CP) tornando a conduta um fato não passível de punição, a teor da súmula 145 do STF.

Destarte, tratando-se de fato atípico, o MP requer a absolvição dos acusados Apolinário, Beto, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton, e Ivânio do crime de extorsão mediante sequestro perpetrado contra a vítima Erasmo com fulcro no art. 386, III do CPP.

Da absolvição de Lino

O acusado Lino foi denunciado por favorecimento pessoal, visto que o agente auxiliou a fuga dos co-acusados Apolinário e Beto. No dia em que a polícia prendeu parte dos integrantes do bando foi até a residência de Apolinário, tendo o réu Lino entrado em contato telefônico informando tal fato, auxiliando a fuga dos agentes.

Nada obstante, em que pese a configuração do tipo descrito no art. 348, verifica-se também na situação em tela a causa de isenção de pena do §2º do mesmo artigo, pois Lino é irmão do acusado Apolinário.

Assim, Lino merece ser absolvido com fulcro no art. 386, VI do CPP.

Do crime de quadrilha para prática de crimes hediondos

Foi imputado aos réus a prática de crime de quadrilha com a pena prevista na lei de crimes hediondos, na medida em que a reunião do bando se deu com a finalidade de perpetrar crimes de extorsão mediante sequestro, classificado como hediondo.

Assim, há prova da materialidade do delito, haja vista o farto acervo probatório. As intercepetações telefônicas, levantamentos fotográficos, extratos bancários, cópia dos jornais com classificados de veículos e termos de declarações das testemunhas e interrogatórios fazem prova suficiente da associação estável de pelo menos dez agentes mancomunados para a perpetração dos crimes de extorsão mediante sequestro, conhecido como “golpe do chute”.

No mesmo sentido, há provas contundentes de autoria, o que autoriza a condenação dos acusados. Tanto as investigações policiais como a prova produzida na instrução processual comprovam o envolvimento e associação dos réus Apolinário, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton e Ivânio (além de outros agentes) para prática de crimes, em uma verdadeira organização criminosa.

As provas revelaram a distribuição de tarefas para consecução do crime, sendo que notadamente as interceptações telefônicas e termos de depoimentos de fls. comprovam a autoria dos fatos.

Assim, configurado o fato típico do art. 288 do CP c/c art. 8º da Lei 8.072/90, restando comprovada a materialidade e autoria, requer-se a condenação dos réus Apolinário, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton e Ivânio pela prática deste crime.

Dos crimes de extorsão mediante sequestro

Foi imputado aos acusados também a prática de dois crimes de extrosão mediante sequestro, com o denominado “golpe do chute”.

O primeiro delito foi praticado em 27 de julho de 2009 contra a vítima Antoni, na cidade de Chapecó. Assim, faz prova da materialidade os depoimentos de fls. Interceptação telefônica e extrato bancário de fls.

A autoria também se revela suficiente para o édito condenatório, especialmente em razão das investigações realizadas e o firme depoimento da vítima que reconheceu parte dos acusados.

O fato foi típico, com a qualificadora do §1º do art. 159, vez que, conforma acima demonstrado, foi praticado por quadrilha. Neste sentido não há que se falar em bis in idem com o crime autônomo do art. 288 do CP, haja vista que tutelam bens jurídicos diversos, além de terem momentos consumativos diversos, sendo incabível a consunção.

Deste modo, requer-se a condenação de Apolinário, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton e Ivânio pela prática do crime previsto no art. 159, §1º do CP.

Igualmente, foi imputada a prática de uma segunda extorsão (golpe do chute) desta feita perpetrado contra as vítimas Batista, Clo e Dé, em agosto de 2009 também em Chapecó.

Há prova da materialidade consubstanciada nas intereceptações telefônicas, extratos bancários de fls. E termos de depoimento de fls.

Também a autoria resta demonstrata de modo inequívoco, pelas mesmas provas indicadas e especialmente pelo depoimento das vítimas de fls.

O crime teve como resultado lesões de natureza grave na vítima Batista, o que restou comprovado pelo laudo pericial de lesão corporal e laudo complementar de fls. O qual indica ter o ofendido ficado incapacitado para o exercício de atividades habituais por mais de 30 dias.

Assim, diante deste resultado, o crime foi qualificado na forma do §2º do Art. 159 do CP, pelo o que o MP requer a condenação dos acusados Apolinário, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton e Ivânio como incursos nas penas dos referidos dispositivos legais.

Do crime de corrupção de adolescente

Consta na denúncia também o crime de corrupção do adolescente Nilvânio, que contava com apenas 17 anos de idade na época dos fatos. A materialidade está estampada no termo de depoimento de fls. Do próprio adolescente e termo de fls. Em que a mãe do menor também indica a corrupção, havendo prova de que Nilvânio praticou crimes na companhia dos acusados, pois recebia aproximadamente R$ 2000,00 para ser um dos responsáveis pelo cativeiro e vigia das vítimas.

A autoria também resta demonstrada, havendo prova de que Apolinário, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton e Ivânio perpetraram crime de corrupção, pois praticaram crimes na companhia do citado adolescente.

Tratando-se de crime formal, prescindível a prova da efetiva corrupção do menor, motivo pelo qual os acusados Apolinário, Celimar, Olivânio, Felício, Hamilton e Ivânio devem ser condenado também por infração ao art. 244-B do ECA.

Do crime de roubo

Ainda, quando da prática do golpe do chute contra a vítima Antoni, em julho de 2009, o acusado Ivânio, com emprego de arma de fogo e em comunhão de vontades com o adolescente Nilvânio, subtraiu mediante grave ameaça bens do ofendido que estava no cativeiro.

Há prova da materialidade e de autoria diante das declarações da vítima Antoni, que narrou os fatos com riqueza de detalhes e reconheceu o acusado e adolescente, motivo pelo qual o réu Ivânio merece ser condenado também por infração ao art. 157, §2º I e II do CP.

Do crime de estupro

Não bastasse, quando da extorsão perpetrada contra Batista, sua esposa e filha, o acusado Hamilton perpetrou o crime de estupro, pois praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima Dé, que tinha acabado de completar 14 anos.

Entretanto, considerando que o crime ocorreu antes da lei que alterou os crimes contra a dignidade sexual, a iniciativa para a ação penal era privada (antes da reforma) e não pública (atualmente, por ser a vítima menor de 18 anos).

Assim, há ilegitimidade ativa do MP pelo o que o feito deve ser extinto sem a condenação do acusado (art. 395 II do CPP).

Dos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Há também nos autos prova da materialidade e autoria do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, especialmente em razão dos termos de apreensão das armas, os quais comprovam a posse ilegal de arma praticado por Celimar e Hamilton, pois mantinham em suas respectivas residências armas de fogo de uso restrito.

Não há que se falar em consunção por tratar de crime autônomo, cujo momento da consumação se deu em tempo diverso dos demais delitos, além de os tipos penais tutelarem bens jurídicos diversos. Ante o exposto, requer o MP a condenação de Celimar e Hamilton por infração ao art. 16, caput, da Lei 10.826/03.

Do crime de latrocínio

Pesa ainda contra Apolinário e Beto a acusação do crime de latrocínio, pois, no momento em que empreendiam fuga, vieram a matar a vítima Deovani (mototaxista) para subtrair-lhe a motocicleta e outros pertences.

Há prova da materialidade, notadamente em razão do laudo de exame cadavérico do fls.

A prova de autoria também é farta, especialmente em razão dos termos de depoimentos de fls. Que dão contra da prática do crime, em que se reconhece o réu Apolinário e Beto como co-autores da subtração violenta com resultado morte.

Assim, a condenação de Apolinário por infração ao art. 157, §3º, segunda parte do CP é medida que se impõe.

Do crime de quebra de sigilo funcional

Por fim, foi imputado ao réu Klovânio a prática de violação de sigilo funcional, pois o acusado, ainda que não integrante da quadrilha, auxiliava parte de seus membros com o fornecimento de dados de veículos para perpetração dos golpes.

O acusado, na qualidade de funcionário do DETRAN (art. 327 do CP) possui acesso aos dados sigilosos e os repassava aos integrantes do bando Felício e Anilton, que eram seus amigos e em razão disso lhes passava tais informações.

Há prova da materialidade e de autoria do crime, consubstanciada especialmente na interceptação telefônica.

Logo, o acusado Klovâncio também merece ser condanado pela prática do crime previsto no art. 325 do CP, não fazendo jus a benesse da transação penal ou suspensão condicional do processo por não preencher os requisitos objetivos da medida, pois conforme certidão de fls. Já foi condenado por crime doloso (furto).

Ante todo o exposto o MP requer a procedência parcial da denúncia com condenação dos acusados Apolinário, Celimar, Olivânio (Elivânio), Felício, Hamilton, Ivanio e Klovânio nos termos acima indicados, a absolvição imprópria de Beto, aplicando-lhe medida de segurança e absolvição de Lino.

Chapecó, 24 de janeiro de 2010.

Promotor de Justiça Substituto.


sábado, 19 de novembro de 2011

MPSC XXXIII - Prova de Difusos e Coletivos - 1ª Questão

Resolução da prova dissertativa
XXXIII CONCURSO PÚBLICO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA – 2008
Prova de direitos difusos e coletivos
1ª Questão - ver a questão

Excelentíssimo Sr. Juiz de Direito da __ Vara de Canoinhas/SC

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu promotor de justiça abaixo assinado, com fulcro no art. 127, art. 129, III e art. 37, §4º todos da CF; art. 17 da Lei 8.429/92, art. 21, IV “a” e “b” da Lei 8.625/93 e art. 82, VI da LCE 197/00, vem a presença de Vossa Excelência promover

Ação Civil Pública contra Ato de Improbidade Administrativa

em face de Jõao dos Anzois, ex-prefeito do Município de Canoinhas, qualificação tal;

Ardósia Maria, vereadora do Município de Canoinhas, qualificação tal;

Fulano Ltda, pessoa jurídica de direito privado, qualificação tal;

Aparecido Próprio, qualificação tal;

Marcolino dos Anzóis, qualificação tal;

Lindóia dos Anzóis, qualificação tal.

Da Legitimidade Ativa

A legitimidade ativa do Ministério Público para atuar no caso em tela decorre diretamente da CF, que, em seu art. 127, determina que cabe ao parquet a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais. Buscando viabilizar (instrumentalizar) a defesa deste direitos, em seu art. 129 a CF atribuiu ao Ministério Público a legitimidade para manejar Ação Civil Pública para, dentre outras finalidades, tutelar o patrimônio público e defender os direitos coletivos em sentido amplo.

E neste sentido, é certo que a defesa do patrimônio público e da probidade administrativa se revelam como interesses difusos. Ora, não se trata de mera expectativa mas de direito de todos os cidadãos gozar dos benefícios decorrentes da boa gestão da coisa pública sendo que, na face oposta da mesma moeda, toda a sociedade acaba sendo infligida pelos dessabores decorrentes da malversação do erário.

A probidade administrativa, objeto da ação civil pública, é valor que transcende o interesse patrimonial da própria pessoa jurídica ou ente público, contra o qual é praticado ato lesivo, e vai alcançar o interesse de toda a coletividade.

Seguindo esta linha de raciocínio a legislação ordinária também conferiu legitimidade ao parquet para defesa do patrimônio público, haja vista o teor do art. 82, VI da LCE 197/00, e art. 17 da Lei 8.429/92. E também a jurisprudência do e. TJSC e dos tribunais superiores é pacífica em reconhecer a legitimidade ativa do MP para promover a ação civil contra ato de improbidade administrativa.

Dos Fatos

Após representação apresentada nesta Promotoria de Justiça foi instaurado procedimento preparatório para apuração de supostas ilegalidades realizadas pela administração municipal na reforma do prédio da prefeitura.

Assim é que, de fato, foram constatadas inúmeras ilegalidades as quais demonstram que todos os agentes que compõe o polo passivo da presente ação se associaram para praticar atos de improbidade em detrimento do patrimônio público municipal.

Em agosto de 2004 o então prefeito João dos Anzóis promoveu uma licitação (concorrência pública) para reforma do prédio sede do poder executivo, orçando a obra em R$ 1.000.000,00. Ocorre que desde o início a realização da obra teria a finalidade de causar enriquecimento de agentes públicos em prejuízo da administração, pois a obra seria superfaturada e a empresa executora (Fulano Ltda) desviaria parte do valor superfaturado em favor do então prefeito municipal e seus dois filhos.

A primeira irregularidade constatada é a patente infração ao art. 16, I e II da LC 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) na medida em que os gastos com a obra não são compatíveis com a LDO municipal. Ou seja o lançamento do edital da licitação da obra já foi ilegal e irregular pois não contava com a regular previsão de despesa nos termos das leis financeiras (Lei 4.320/64 e LC 101/00). Logo, nos termos do Art. 15 da LRF a geração da despesa da obra é irregular e lesiva ao patrimônio público.

Não bastasse, o edital não foi devidamente divulgado, pois foi fixado somente no mural da Secretaria de Obras do Município, afrontando diretamente os ditames da Lei 8.666/93.

Executando o plano de superfaturamento a vereadora Ardósia Maria prestou informações privilegiadas e sigilosas à empresa vencedora sobre o certame. Tal empresa, Fulano Ltda, tinha como um de seus sócio justamente o filho do prefeito Marcolino dos Anzóis, o que é mais um indicativo da ilegalidade praticada com o fim de enriquecimento ilícito mediante o superfaturamento da obra.

Assim que assinado o contrato em setembro de 2004 o então prefeito liberou o pagamento de metade da obra (R$500.000,00) como antecipação. Tal conduta viola as regras financeiras e orçamentarias que não permitem o pagamento desta forma. Inclusive a conduta viola o art. 40, XIV e §3 da Lei 8.666/93 e o art. 63 caput e §1, III c/c art. 62 da Lei 4.320/64, configurando, portanto, conduta lesiva ao erário.

Comprovando o superfaturamento da obra, foi apurado que os valores a serem pagos são superiores ao normal de mercado, o qual é estimado em R$ 455.000,00, além do que a qualidade do material empregado é inferior a contratada. Indicando que o superfaturamento se destinou ao enriquecimento do prefeito e seus filhos foi apurado ainda que Lindóia dos Anzóis (filha), mesmo que sendo estudante universitária e sem emprego, possui um patrimônio incompatível com sua condição, declarando no ano de 2006 possuir um imóvel e veículo avaliados em mais de duzentos mil reais.

Também foi constatada a desproporção patrimonial da vereadora Ardósia cujo acréscimo patrimonial injustificado seria de R$ 120.000,00.

Por fim, apurou-se que os agentes ímprobos, buscando evitar a anulação do contrato eiva do de vícios, promoveram a inovação fraudulenta em ação popular, que consistiu em falsificar a perícia judicial contábil lavrada pelo períto Aparecido Póprio, companheiro da vereadora Ardósia Maria. Houve a verificação de que a vereadora influenciou para que a perícia lavrada por seu companheiro fosse favorável ao prefeito, buscando, com isso, dar a aparência de legalidade ao ato, pois segundo o laudo irregular o montante destinado para a prefeitura previsto pela LDO seria suficiente para o pagamento da obra, o que não é verdade.

Do Direito

Nos termos do art. 37, caput, e seu §4 da CF, a administração pública deve obediência aos princípios da legalidade e da moralidade, sendo que os atos de improbidade praticadas pelos agente públicos importarão nas sanções previstas em lei.

Neste sentido a Lei 8.429/92 prevê as condutas que configuram ato de improbidade e lhes culmina sanções de natureza civil. Ademais, reclama o ressarcimento do dano causado ao patrimônio público (art. 5º).

Os atos de improbidade, nas lições de José Afonso da Silva, são uma imoralidade qualificada pelo enriquecimento ilícito decorrentes de danos causados ao erário. A probidade administrativa, de observância obrigatória, consiste no dever de o funcionário servir a administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções sem aproveitar dos poderes ou facilidades delas decorrentes. Uma vez desatendido este dever de probidade, o agente merece ser ser sancionado.

No caso dos autos os réus João dos Anzois, ex-prefeito do Município de Canoinhas, Fulano Ltda, Marcolino dos Anzóis, e Lindóia dos Anzóis, realizaram atos ilícitos para o superfaturamento de uma obra pública, causando dano ao erário e seu indevido enriquecimento.

O ex-prefeito auferiu vatagem patrimonial em razão de seu mandato público, recebendo vantagem econômica diretamente pela contratação de obra com preço superior ao valor de mercado (art. 9º, II da Lei 8.429/92), sendo que a empresa Fulano, e seus filhos Marcolino e Lindóia concorreram para a prática do ato, e dele se beneficiaram (art. 3º da Lei 8.429/92).

São, portanto, solidariamente responsáveis pela reparação dos danos causados (art. 5º da Lei 8.429/92) e estão sujeitos às penas do art. 12, I da Lei 8.429/92, no que couber.

E não há que se falar em bis in idem em razão da eventual responsabilização do ex-prefeito por crimes de responsabilidade (Decreto-lei 201/67), nem mesmo em sujeição exclusiva às sanções do referido diploma normativo. Isto porque as sanções decorrentes da improbidade administrativa previstas na Lei 8.429/92 são de natureza civil, conforme já pacificou o STJ, e é esfera autônoma de responsabilização dos agentes, ou seja, independe da responsabilidade penal e administrativa.

Neste diapasão, o Ministério Público tomou conhecimento da existência do julgamento de Ação Popular que concluiu ser regular a contratação da obra realizada pelo ex-prefeito de Canoinhas, cujo trânsito em julgado já se operou. Nada obstante, não há que se falar em coisa julgada ou prejudicialidade da presente ação civil pública contra ato de improbidade. A uma porquanto a ação popular se presta somente para anulação do ato impugando, ou seja, o objeto da ação contra ato de improbidade é muito mais amplo, pois busca o ressarcimento do erário mediante responsabilização dos agentes ímprobos, a anulação dos atos ilegais, e a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92.

Ainda cumpre salientar que a ação popular teve como causa de pedir somente a ilegalidade decorrente de falta de dotação orçamentária. Após perícia contábil cuja veracidade resta comprometida (conforme indícios acima mencionados) a ação popular foi julgada improcedente com resolução de mérito. Todavia não há que se falar em coisa julgada, na medida em que se alegam fatos novos (outras causas de pedir) na presente ação, pois os atos de improbidade são imputados aos agentes em razão da prática de diversas ilegalidades, desde o desatendimento das normas orçamentárias e financeiras, irregularidade no processo licitatório, superfaturamento da obra, fraude na execução da licitação entre outras.

De outra banda, Ardósia Maria, vereadora do Município de Canoinhas, possui patrimônio desproporcional a sua renda (art. 9º, VII, da Lei 8.429/92) além de induzir na falsificação ideológica da perícia realizada por Aparecido Próprio, que, segundo há indícios, recebeu vantagem econômica para fazer declaração falsa em processo judicial, aproveitando-se de seu cargo de perito (art. 9º, caput c/c art. 2º da Lei 8.429/92). Logo, também estão sujeitos às penas do art. 12, I da Lei 8.429/92, no que couber.

Das Medidas Assecuratórias (Cautelares)

Os Art. 7º e 16 da Lei 8.429/92 autorizam a decretação de indisponibilidade de bens do agente ímprobo, quando o ato de improbidade importar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, devendo a restrição recair sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano.

Neste diapasão, as investigações demonstram que houve dano ao erário e que parte dos agentes e terceiros se beneficiaram em razão deste dano.

Portanto, para se assegurar que ao final da presente demanda seja possível ressarcir os cofres públicos, a decretação de indisponibilidade é medida que se impõe. O STJ já se manifestou em diversos julgados acerca do cabimento desta medida cautelar no curso da ação principal, sendo prescindível o manejo de ação autônoma. Por fim, presentes os requisitos do art. 804 do CPC, entende-se que a constrição deve ser deferida antes da justificação prévia, pois caso contrário há a possibilidade dos agentes disporem de seus bens.

Dos Pedidos

Diante do exposto, depois de recebida esta inicial e os documentos que a acompanham, o Ministério Público requer:

a) a decretação liminar de indisponibilidade, sem justificação prévia, de bens dos réus em quantidade suficiente para garantir o integral ressarcimento do patrimônio público (art. 18 da Lei 8.429/92), oficiando-se para tanto os tabelionatos de registros de imóveis e órgão de trânsito desta Comarca.

b) sejam os réus notificados para oferecer defesa e o posterior recebimento da inicial, nos termos do art. 17, §§7º e 8º da Lei 8.429/92.

c) a citação dos réus para, querendo, contestar a presente ação.

d) a intimação do Município de Canoinha para, querendo, integrar o polo ativo da lide (art. 17, §3º da Lei 8.429/92) ou adotar outra das condutas autorizadas.

e) a produção de todos os meios lícitos de provas admitidos, especialmente a juntada de documentos anexos.

f) a intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos processuais, na forma do art. 236, §2 do CPC.

g) o julgamento procedente da ação para que:

g.1) sejam os réus condenados solidariamente a reparar os danos causados, na forma do art. 5º da Lei 8.429/92;

g.2) seja imposta aos réus as penas do art. 12, I da Lei 8.429/92, quais sejam: perda dos bens e valores ilicitamente acrescidos, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo, proibição de contratar e receber benefícios ou incentivos do poder público pelo prazo de 10 anos.

h) condenação dos réus em custas e despesas processuais.

Dá-se à causa o valor de R$ 500.000,00.

Canoinhas, data.

Promotor de Justiça Substituto.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MPSC XXXIII - Penal e Processo Penal - Questão 1


Resolução da prova dissertativa

XXXIII CONCURSO PÚBLICO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA – 2008
Prova de Direito Penal e Processo Penal
1ª Questão - Ver a questão

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara Criminal de Imbituba/SC

O órgão do Ministério Público vem a presença de Vossa Excelência apresentar suas razões recursais nos termos do Art. 600 do CPP, requerendo seu recebimento e posterior remessa dos autos à instância superior, após o oferecimento das contrarrazões da defesa.

Imbituba, data.
Promotor de Justiça Substituto

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Colenda Câmara Criminal

Tratam os autos de ação penal pública em que o réu Tibúrcio Ringo Biguá foi denunciado pela prática dos crimes previstos nos art. 148, caput, art. 157, §3, segunda parte, art. 211, todos do CP e art. 12 e 14 da Lei 10.826/03 e art. 1º da Lei 2.252/54; e o co-réu Bastião Xisto dos Anzóis foi denunciado por infração ao art. 180, §1, art. 348 e art. 349 todos do CP. Foi oferecida ainda denúncia contra um terceiro acusado, Tinoco Bob da Silva Biguá, em face do qual, todavia, o processo foi cindido.

Após regular trâmite processual o feito foi julgado parcialmente procedente, tendo o juízo “a quo” condenado o réu Tibúrcio Ringo Biguá a pena de 28 anos e 9 meses de reclusão em regime inicial fechado por infração ao art. 148, caput, art. 157, §3, segunda parte, art. 211 c/c art. 61, II, “b”, “c” e “d”, art. 65, III, “d”, todos do CP; art. 16, parágrafo único, IV da Lei 10.826/03, todos em concurso material de crimes, absolvendo-o quanto ao crime de corrupção de menor (art. 1º da Lei 2.252/54); e também para condenar o co-réu Bastião Xisto dos Anzóis a pena de 1 ano de reclusão e 2 meses de detenção por infração ao art. 180, caput, art. 348, caput c/c art. 65, III, “d”, ambos em concurso material de crimes.

Inconformado como a sentença prolatada o Ministério Público interpôs em tempo e modo o recurso de apelação, o qual se passa a arrazoar.

Em face do julgamento parcialmente procedente o Ministério Público se insurge contra quarto pontos da sentença: a absolvição de Tibúrcio pelo crime de corrupção de menores; a condenação pelo sequestro; a dosimetria da pena em face de ambos os acusados; e a substituição da pena operada em face do réu Bastião.

No que tange o primeiro ponto, o Ministério Público não concorda com a absolvição de Tibúrcio do crime de corrupção de menores que lhe foi imputado na denúncia. Conforme a jurisprudência deste Egrégio Tribunal, o crime em comento é formal, ou seja, para restar consumado independe da efetiva corrupção do adolescente, bastando que o agente venha a perpetrar crime na companhia de menor de idade. Nada obstante, há prova nos autos de que a adolescente foi corrompida pelo apelado, na medida em que restou apurado nunca ter ela praticado ou participado de outros ilícitos penais anteriores aos fatos apurados no presente processo.

Há que se ressaltar ainda que, muito embora a lei 2.252/54 tenha sido revogada, não houve a “abolitio criminis” desta figura típica, vez que ocorreu o fenômeno da continuidade normativa típica, haja vista a inclusão do Art. 244-B no ECA, cujo tipo corresponde à corrupção de menores. Também não há que se falar em extratividade da lei penal (retro ou utratividade) na medida em que o preceito secundário do tipo restou inalterado – a pena continua sendo de reclusão de 1 a 4 anos.

No caso dos autos, o recorrido Tibúrcio perpetrou crimes com a adolescente Plotina Marinéia, a qual contava com apenas 17 anos de idade na época dos fatos, tendo assim, corrompido-a. Neste passo, há diversas provas nos autos que comprovam tanto a autoria quanto a materialidade do delito. Em que pese a ausência de confissão expressa sobre o crime de corrupção de menores, o também recorrido Bastião, nas duas oportunidades em que foi ouvido, descreveu com firmeza a participação da adolescente nos crimes, visto que ela seria a encarregada pelo cativeiro. Ademais o co-réu em face do qual o processo foi cindido (Tinoco Bigua) também asseverou que a adolescente teve envolvimento nos delitos, pois vigiou a vítima enquanto teve sua liberdade cerceada.

Destarte, havendo prova da materialidade e autoria, bem como sendo o fato típico, a condenação do recorrido como incurso no art. 244-B do ECA é medida que se impõe.

Noutro diapasão verifica-se que, conforme a narrativa dos fatos e o todo apurado no processo, o crime de sequestro foi absorvido pelo latrocínio, razão pela qual o recorrido Tibúrcio merece ser absolvido. O crime de sequestro previsto no art. 148 do CP é subsidiário, vez que quando perpetrado como meio de execução de outro crime é por este absorvido, mediante o instituto da consunção. No caso dos autos a vítima foi atraída até uma residência onde restou imobilizada por aproximadamente um dia, quando então veio a ser morta. Ocorre que o cerceamento de sua liberdade se deu única e exclusivamente como meio de perpetração da subtração de seus bens, sendo portanto a violência e constrangimento empregados para consecução do roubo com resultado morte. Assim, diante da consunção, não há que se falar em crime autônomo de sequestro (porque a privação da liberdade da vítima foi o meio da subtração violenta de bens) devendo o recorrido ser absolvido quanto este delito.

Também há inconformismo do Ministério Público acerca da dosimetria da pena, pelos motivos que passa a indicar.

Conforme o próprio juízo de primeiro grau reconheceu há cinco circunstâncias judiciais desfavoráveis em face do réu Tibúrcio. Logo, as penas base merecem o devido aumento. Passa-se, então, a dosimetria das penas mediante o sistema trifásico estabelecido no art. 68 do CP.

Quanto ao crime de latrocínio a pena base deve ser fixada em 30 anos, em face das cinco circunstâncias judicias desfavoráveis. Na segunda fase há incidência de duas agravantes, haja vista que o ofendido foi vítima de emboscada e sua morte se deu por meio cruel – espancado com pauladas até a morte (art. 61, II, “c” e “d”). Verifica-se também a presença de uma atenuante de confissão, operada extrajudicialmente e que foi valorada na condenação (art. 65, III, “d”). Não havendo preponderância entre as agravantes e a atenuante a pena deve ser aumentada. Todavia, o aumento é incabível em razão da pena já se encontrar em seu limite máximo. Não há causa de aumento ou diminuição a ser considerado na terceira fase, devendo a pena ser fixada em 30 anos.

O crime de destruição e ocultação de cadáver deve ter a pena base fixada em 1 ano e 10 meses em razão das cinco circunstâncias judicias desfavoráveis (art. 59 do CP). Há a agravante do art. 61 II, “b” pois o crime foi perpetrado para assegurar a impunidade do latrocínio, bem como se faz presente a atenuante da confissão espontânea, e inexistindo preponderância a pena não deve ser alterada. Não há causa de aumento ou diminuição, devendo ser fixada em 1 ano e 10 meses.

O crime de porte ilegal de arma de fogo deve ter a pena base fixada em 5 anos e 6 meses em razão das cinco circunstâncias judicias desfavoráveis (art. 59 do CP). Não há agravante, mas há a atenuante de confissão, pelo que a pena deve se diminuída para 5 anos e 1 mês. Não há causa de aumento ou diminuição, devendo ser a pena fixada em 5 anos e 1 mês.

A pena base do crime de corrupção de menor deve ser fixada em 1 ano e 10 meses. Não há agravantes, atenuantes bem como causa de aumento ou diminuição, devendo ser fixada em 1 ano e 10 meses.

Considerado que os crimes foram praticados em concurso material (art. 69 do CP), a soma das penas resulta no total de 38 anos e 9 meses de reclusão para o recorrido Tibúrcio Ringo Biguá.

No que tange ao também recorrido Bastião há cinco circunstâncias judiciais desfavoráveis reconhecidas pelo juízo “a quo”. Assim o crime de receptação deve ter a pena base fixada em 1 ano e 10 meses. Há incidência da agravante de reincidência (condenação com trânsito em julgado de crime de furto simples) e a atenuante de confissão espontânea. Considerando a preponderância da reincidência a pena deve ser aumentada em dois meses, atingindo o patamar de 2 anos de reclusão. Não há causa de aumento ou diminuição.

Quanto aos crimes de favorecimento real e pessoal o Ministério Público entende que resta prejudicada a análise da dosimetria, haja vista a extinção da punibilidade dos crimes previstos nos art. 348 e 349 do CP em razão da prescrição. Entre o recebimento da denúncia em 2004 e a data da publicação da sentença em 2008 transcorreu o lapso temporal definido para a prescrição da pretensão punitiva de acordo com a pena máxima em abstrato dos delitos (art. 107, IV, c/c art. 109, VI do CP), extinguindo-se assim a punibilidade.

Por fim, o último ponto que merece reforma na decisão a quo é a substituição da pena privativa de liberdade do recorrido Bastião por duas restritivas de direito. Houve equívoco do magistrado de primeiro grau na medida em que a benesse não pode ser concedida pois o réu não preenche os requisitos objetivos. Conforme consta nos autos, Bastião é reincidente, circunstância que veda a substituição da pena, haja vista o constante no art. 44, II do CP.

Ante o exposto, requer-se o conhecimento do presente recurso de apelação para, ao final, dar-lhe provimento com: a) a condenação do recorrido Tibúrcio por infração ao art. 244-B do ECA; b) a absolvição do recorrido Tibúrcio no crime de sequestro (art. 148 do CP); c) a adequação da dosimetria das penas, devendo o recorrido Tibúrcio ser condenado a pena de 38 anos e 9 meses de reclusão em regime inicial fechado (art. 33, §2, “a” do CP) e o recorrido Bastião ser condenado a pena de 2 anos de reclusão em regime inicial semi-aberto (art. 33, §2, “a” do CP e súmula 269 STJ); d) a vedação da substituição da pena imposta ao recorrido Bastião em razão de sua reincidência em crime doloso.

Imbituba, data.
Promotor de Justiça Substituto.



Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Colenda Câmara Criminal

Autos n.
Contrarrazões recursais

Trata-se de apelação interposta pelos recorrentes Tibúrcio e Bastião, já qualificados, contra sentença de primeiro grau que julgou parcialmente procedente denúncia formulada pelo Ministério Público.

O feito teve trâmite regular e após devida instrução sobreveio sentença que condenou ambos os recorrentes, que, não conformados, interpuseram a presente apelação que se passa a contra-arrazoar.

Por tratarem de teses diversas, passa-se à análise de cada apelo em separado.

Do apelante Tibúrcio

O apelante alega inicialmente que houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento do pedido de novo interrogatório e acareação de testemunhas, pugnando pela declaração de nulidade do julgamento. Não há que se falar em nulidade, devendo esta preliminar ser julgada improcedente. O interrogatório do acusado foi devidamente realizado no curso da instrução, sendo oportunizado o exercício da autodefesa, estando o ato plenamente válido e sem qualquer vício. O direito do réu pedir a realização de novo interrogatório (bem como de acareação) não implica no seu obrigatório deferimento, pois cabe ao magistrado fazer um juízo de oportunidade e conveniência da produção da prova. Não tendo o réu demonstrado a utilidade e necessidade do novo interrogatório bem como da acareação, tais provas foram devidamente indeferidas pelo juízo “a quo”, não havendo que se falar em atipicidade ou prejuízo decorrente da negativa, até porque ela está de acordo com o previsto no art. 411, §2 do CPP. Portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa e consequente nulidade do julgamento.

Outra tese ventilada por Tibúrcio é a de nulidade da sentença por tipificação diversa da constante na denúncia. De fato, o apelante foi denunciado por infração ao art. 12 e 14 da Lei 10.826/03 e restou condenado como incurso no art. 16, parágrafo único, IV da mesma lei. Ocorre que não há “error in procedendo” nesta conduta realizada pelo juiz, haja vista que encontra respaldo na norma do art. 383 do CPP. O citado dispositivo autoriza o juiz a atribuir definição jurídica diversa da contida na denúncia, desde que não modifique a descrição dos fatos (emendatio libelli), sendo que é exatamente o caso dos autos, haja vista que a denúncia narrou a posse e porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida. Considerando que o fato narrado se subssume ao tipo do art. 16, correta foi a atuação do magistrado, não devendo ser acolhida esta tese defensiva.

A terceira alegação do apelante é de nulidade do processo em razão da intervenção do Ministério Público na lavratura do auto de prisão em flagrante. O pleito também deve ser afastado na medida em que houve preclusão da questão, visto que eventual vício ocorrido na fase investigatória não atinge a higidez do processo penal. Não bastasse é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a participação do Ministério Público nas investigações não nulifica o processo, entendimento inclusive já sumulado pelo STJ no verbete n. 234.

A quarta e última preliminar da defesa é a de prescrição dos crimes de sequestro e destruição e ocultação de cadáver. Quanto ao crime de sequestro o Ministério Público entende que houve absorção pelo crime de latrocínio, restando prejudicada a análise da prescrição. Já o crime previsto no art. 211 não foi atingido por esta causa extintiva da punibilidade (prescrição) na medida em que não houve o implemento do prazo entre nenhum dos marcos interruptivos. Considerando que não houve transito em julgado para a acusação só caberia a prescrição da pretensão punitiva com base na pena máxima em abstrato, a qual só se verificaria após o transcurso de 8 anos. Logo, esta tese também deve ser afastada.

No mérito o apelante alega anemia probatória do crime de latrocínio e, subsidiariamente, requer a desclassificação do crime para o de homicídio. Quanto a absolvição cumpre esclarecer que os autos apresentam provas robustas de materialidade e autoria. A prova está fundada nos termos de declaração, termos de interrogatório, confissão extrajudicial do acusado, ora apelante, e do co-réu Tinoco, extratos bancários e fotos extraídas da câmera de vigilância do Banco que comprovam os saques efetuados pela vítima. Verifica-se que diante do farto acervo probatório não há que se falar em ausência de certeza necessária para o édito condenatório, razão pela qual a manutenção da condenação é medida que se impõe.

Também é incabível a desclassificação pretendida pelo apelante. O crime de latrocínio é complexo, cujo resultado é a fusão do tipo do roubo e homicídio. No caso em tela o resultado morte foi consequência direta da subtração violenta, configurando a tipicidade formal do crime descrito no art. 157, §3, segunda parte. Destarte o crime perpetrado foi o de latrocínio e não de homicídio, motivo pelo qual o pleito da defesa deve ser indeferido.

O apelante alega que o crime de destruição do cadáver não pode ser considerado, uma vez que foi apontado o local onde estaria os restos mortais da vítima. Entretanto, esta afirmação também não merece acolhimento. A confissão do crime ou o auxilio nas investigações não tem o condão de tornar o fato atípico. O crime previsto no art. 211 é material e no caso do feito (em que houve destruição) se consumou com a extinção do cadáver. Portanto o fato foi típico e ilícito, atingiu a consumação, não havendo motivo para absolvição.

Ventilou-se a tese de ausência de crime de corrupação de menor. A negativa de participação da adolescente nos crimes (e consequente inexistência de crime de corrupção de menor) não pode ser acolhida na medida em que as provas são fartas em indicar o contrário. O depoimento dos demais agentes é firme e detalhado no sentido de que a adolescente participou diretamente na execução dos ilícitos, sendo apontada como a responsável pelo cativeiro e vigia da vítima.

Por fim, a última tese defensiva no mérito é de inexistência de propriedade sobre a arma de fogo apreendida em seu poder. Ocorre que o crime de porte ilegal de arma de fogo é um tipo misto alternativo, bastando a prática de um dos verbos contidos no tipo para sua configuração. No caso em comento o réu foi condenado pela modalidade portar e possuir – crimes de mera conduta, sendo indiferente saber se o apelante era ou não proprietário da arma de fogo. Destarte, a manutenção da condenação é medida que se impõe.

Do apelante Bastião

A primeira alegação ventilada na apelação deste recorrente é a de nulidade do julgamento por cerceamento de defesa por ausência de intimação da audiência designada no juízo deprecado. Ocorre que não há atipicidade do ato nem mesmo prejuízo do réu, sendo, portanto, incabível a aplicação da sanção de nulidade. Ora, o art. 222 do CPP determina somente a intimação das partes da expedição da carta precatória, o que efetivamente foi feito, inexistindo, portanto, qualquer irregularidade. Ademais a súmula 273 do STJ consolidou o entendimento de que é desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado, o que comprova ser incabível o reconhecimento da pretensa nulidade alegada pela defesa.

Nada obstante, a segunda tese do apelante é de incompetência do juízo prolator da sentença. Ocorre que a incompetência alegada pela defesa é a territorial, o que tornaria a questão preclusa, porque se trata de espécie de competência relativa, somente impugnável por exceção. De mais a mais, o juízo competente não é o de Florianópolis como o alegado pela defesa, mas sim o de Imbituba, haja vista que este foi o local de consumação do crime mais grave. A competência é determinada pelo lugar em que se consuma o delito (art. 70 CPP) e, havendo conexão com concurso de jurisdições da mesma categoria, prepondera a do lugar da infração cuja pena for mais grave (art. 78, II, “a” do CPP), no caso, Imbituba, local em que se deu a morte da vítima.

O terceiro argumento defensivo é o da prescrição. Quanto ao crime de receptação a tese deve ser afastada, na medida em que não houve o implemento do prazo prescricional. Nos demais delitos, de favorecimento real e pessoal, a razão assiste a defesa. Ambos os delitos têm pena máxima de 6 meses, pelo o que prescrevem em dois anos (art. 109, VI do CP com redação anterior a Lei 12.234/10). Considerando que transcorreram aproximadamente quatro anos entre o recebimento da denúncia (2004) e a publicação da sentença (em 28 de março de 2008) extinguiu-se a punibilidade destes crimes – que incide isoladamente sobre a pena de cada um (art. 119 do CP) – em razão da prescrição da pretensão punitiva.

No mérito, a condenação pelo crime de receptação deve ser mantida. Não há insuficiência de provas, como alega a defesa, haja vista o todo coligido na instrução processual. Há elementos probatórios que comprovam ter o apelante recebido, ocultado e utilizado em proveito próprio e alheio bens da vítima, que sabia serem produtos de crime. Assim, a condenação se mostra justa e adequada.

Por fim, há que se deferir o pedido de liberdade provisória formulado pelo recorrente Bastião, uma vez que o réu já cumpriu preventivamente o total da pena a que pode estar sujeito pela prática da receptação simples.

Ante o exposto o Ministério Público se manifesta pelo conhecimento e provimento parcial das apelações interpostas, tão somente para declara extinta a punibilidade de Bastião nos crimes previstos nos art. 348 e art. 349 do CP além de lhe conceder liberdade provisória, mantendo-se a decisão recorrida em seus termos no que tange os demais pontos.

Imbituba, data.
Promotor de Justiça Substituto.