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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Crime instantâneo, permanente e instantâneo de efeitos permanentes

A doutrina, ao tratar do tema, indica que os crimes podem ser classificados em a) instantâneos, b) permanentes, e c) instantâneos de efeitos permanentes. 

Esta classificação tem como critério a duração do “momento consumativo”. 

Deste modo, um crime é instantâneo porque a consumação ocorre num só momento, num instante, sem continuidade temporal. Para identificá-los basta analisar o verbo descrito no tipo penal. São verbos do tipo que não permitem uma permanência no tempo, exigem uma conduta instantânea: subtrair, destruir, adquirir, constranger, praticar. Ou seja, não é possível que alguém subtraia um objeto e continue subtraindo-o ao longo do tempo, ou destrua um bem em uma conduta constante, permanente. 

O crime instantâneo descreve um verbo que possui a seguinte característica: é possível determinar e identificar no tempo um instante que a ação ou omissão ocorre definitivamente, cessando a partir de então. Por exemplo no crime de furto o verbo é subtrair. A subtração ocorre, segundo a jurisprudência, no momento de inversão da posse sobre o objeto, quando a coisa subtraída passa para o poder do agente. A partir deste instante cessou a consumação, pois o crime de furto não descreve o verbo possuir ou manter sob guarda coisa alheia móvel. A subtração é instantânea. 

Por sua vez, o crime permanente tem momento consumativo que se prolonga no tempo. É a clássica afirmação de que o crime permanente é aquele que se protrai no tempo. Ou seja, a consumação continua ocorrendo enquando perdurar determinada situação. 

Os crimes permanentes também são identificados conforme o verbo do núcleo do tipo. São verbos (condutas) que permitem uma constância, permanência no tempo: portar, manter, privar, ocultar. Por isso os exemplos apontados pela doutrina são o sequestro (privar a liberdade de alguém), o tráfico de drogas, na modalidade manter em depósito, a receptação na modalidade ocultar. 

Vê-se que os exemplos apontados não são de acordo com o crime, propriamente dito, mas sim segundo o verbo do núcleo do tipo, pois no tráfico de drogas e na receptação (tipos mistos alternativos – aqueles em que se descreve mais de uma conduta/verbo) é imprescindível se ressalvar qual a modalidade, isto é, qual o verbo do tipo a ser praticado para a correta exemplificação. Por exemplo, tanto no tráfico como na receptação a modalidade “adquirir” importa necessariamente em classificar tais crimes como instantâneos e não como permanentes, pois na aquisição a consumação ocorre (e se finda) no momento da entrega da coisa. 

Logo, para a correta classificação não basta analisar o nome jurídico do tipo, tendo em vista que um mesmo crime pode conter modalidades (verbos) que se enquadram na espécie crime instantâneo, como modalidades que se adequam a espécie crime permanente, como é o caso do tráfico de drogas. 

Por fim, o crime instantâneo de efeito permanente se consuma em determinado momento (instante) mas seus efeitos são irreversíveis. O exemplo apontado pelos doutrinadores é o homicídio, sendo instantâneo porque se consuma em um momento imediato, o da morte, cujo resultado é irreversível, portanto seus efeitos são permanentes. 

Ocorre que, a bem da verdade, não existe esta terceira classificação: “instantâneo de efeito permanente”, muito embora seja apontado assim pela grande maioria dos autores. 

Ora uma classificação nada mais é do que a organização de determinado conteúdo em grupos em que exista uma identidade de características dos seus elementos, segundo um critério previamente elegido. 

No caso em tela o critério adotado é a “duração do momento consumativo”. Assim, pode-se criar somente dois grupos: os crimes de consumação instantânea e os de consumação permanente. Ou o crime descreve verbo que permite duração continuada (permanente) ou não (instantâneo). Os efeitos do crime levam em conta um outro critério. 

Ao alçar os crimes “instantâneos de efeito permanente” ao mesmo patamar dos crimes instantâneos e permanentes se está criando uma classificação equivocada, ou ao menos, ilógica, pois se cria um terceiro grupo de elementos cuja característica é a mesma de outro grupo, segundo o critério eleito. Se o critério é a duração da consumação, obviamente o crime “instantâneo de efeito permanente” pertence ao grupo “crimes instantâneos”. 

Poderia, portanto, ser uma sub-classificação dentro do grupo segundo um novo critério, ou uma outra classificação, distinda da que se analisa por ora. O importante é se reconhecer que na criação do terceiro grupo “instantâneo de efeito permanente” se leva em conta um outro critério que não a duração do momento consumativo. O critério utilizado é a reversibilidade ou não dos efeitos do crime, sendo este o motivo que causa confusão e dificuldade na compreensão do tema. 

Logo, a classificação dos crimes segundo o momento consumativo comumente feita (a qual se entende ser equivocada) é a seguinte: 

1) instantâneos 

2) permanentes 

3) instantâneos de efeitos permanentes 

Diante do acima sustentado se propõe a seguinte classificação: 

1) Instantâneos – o tipo consiste em conduta que ocorre e se finda em um determinado instante. Ex: subtrair, destruir, adquirir, constranger, praticar. 

     1.1) de efeitos reversíveis – mesmo consumado o bem jurídico pode ser restaurado. ex. Furto em que a coisa é restituída. 

     1.2) de efeitos permanentes – após consumado o bem jurídico é irrestaurável. ex. Homicídio ou dano, na modalidade destruir. 

2) Permanentes – o tipo descreve conduta constante, cuja consumação permanece no tempo. Ex: portar, manter, privar, ocultar. 

Por fim cumpre consignar que nos crimes permanentes os efeitos são sempre reversíveis, na medida em que ao cessar a permanência, o bem jurídico deixa de ser violado, findando-se seus efeitos: No sequestro ao terminar a privação de liberdade o bem jurídico liberdade é restaurado, cessando os efeitos do crime. No tráfico de drogas na modalidade manter em depósito a apreensão da droga restaura o bem jurídico saúde pública que estava em risco. No porte de ilegal de arma de fogo, a apreensão da arma ou sua entrega às autoridades restaura o bem jurídico incolumidade pública, que estava em risco. 

Em todos estes casos, na hipótese de o crime passar a ter efeitos permanentes (como por exemplo o resultado morte na extorsão mediante sequestro) o delito deixa de ser permanente e passa automaticamente a ser classificado como instantâneo, pois, necessariamente, haverá um instante em que o resultado ocorreu e os efeitos passaram a ser permanentes. 

Por esta razão não cabe a sub-classificação quanto aos efeitos nos crimes permanentes, pois seus efeitos são sempre reversíveis.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O transporte “in utilibus” da coisa julgada coletiva


Como ensina Cândido Rangel Dinamarco, o direito moderno, em razão da aglutinação de interesses supra-individuais na sociedade de massa, tende a ser um direito da coletividade e não mais apenas direito dos indivíduos, como nos moldes tradicionais.

Logo, como reflexo da segunda onda renovatória do processo, percebeu-se que é socialmente útil afrouxar racionalmente as premissas individualistas da legitimidade individual e da limitação subjetiva da coisa julgada (art. 472 do CPC), na medida em que com a tradicional tutela exclusiva individual os direitos coletivos restam descobertos de proteção efetiva.

Destarte, uma das características do processo coletivo é o regime jurídico peculiar da coisa julgada, regulada pelo art. 103 do CDC, nos seguintes termos:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Analisando o tema, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. ensinam que: “o regime jurídico da coisa julgada é visualizado a partir da análise de três dados: a) os limites subjetivos – quem se submete à coisa julgada; b) os limites objetivos – o que se submete aos seus efeitos; c) e o modo de produção – como ela se forma” (Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. Vol 4. 5 ed. p. 363).

Assim, o chamado transporte “in utilibus” da coisa julgada coletiva é uma forma de ampliação dos limites subjetivos da coisa julgada, permitindo que indivíduos venham a se beneficiar do que foi decidido em uma ação coletiva. É esta a norma contida na segunda parte do §3º do art. 103 do CDC:

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

O referido dispositivo permite que o titular de um direito individual liquide e execute a sentença coletiva que tutele direitos difusos e coletivos em sentido estrito, desde que verse sobre a mesma questão de direito. Fica garantido ao titular do direito individual a possibilidade de utilizar a sentença coletiva em seu processo individual, transportando “in utilibus” a coisa julgada.

A lógica do raciocínio aplicado aqui é a mesma do aplicado na esfera civil quanto aos efeitos da coisa julgada do processo penal: a sentença penal condenatória beneficia os titulares de direitos civis decorrente dos delitos, bastando a sentença do processo penal para que se ajuíze uma liquidação e execução no juízo civil (art. 63 do CPP e art. 475-N, II, do CPC).

Com isso se evita a proliferação de ações individuais, prestando maior efetividade à tutela do direito.
Neste sentido o STJ já decidiu nos seguintes termos:

(…) 5. É a indivisibilidade do objeto que determina a extensão dos efeitos do julgado a quem não foi parte sob o enfoque processual, mas figura como titular da relação de direito material tutelada. 6. A extensão dos limites da coisa julgada faculta a outrem utilizar (in utilibus) da condenação genérica oriunda da demanda coletiva para pugnar a satisfação ou reparação de seu direito individual, evitando a proliferação de ações condenatórias individuais e homenageando o princípio da economia processual e da efetividade do processo. (…) (STJ. REsp 648054 / RS. Relator Ministro LUIZ FUX. 25/10/2005)

Uma das finalidades do processo coletivo é resolver os litígios de massa (repetitivos), sendo este o fundamento para o CDC, em seu art. 103, §3º, permitir que a coisa julgada coletiva se estenda ao plano individual, estabelecendo que o indivíduo pode utilizar o objeto do que foi decidido em ação sobre interesses difusos ou coletivos em sentido estrito para liquidar e executar seus prejuízos.

Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “isso significa que se, por um lado, a sentença coletiva de improcedência do pedido não produz efeitos na esfera individual, não prejudicando as pretensões individuais, por outro, a sentença de procedência nas ações para tutela de direitos difusos e coletivos “stricto sensu” poderá ser liquidada e executada no plano individual sem a necessidade de um novo processo para a afirmação do “an debeatur” (o quê é devido). Assim, os titulares dos direitos individuais homogêneos poderão promover ação de indenização dos seus prejuízos. A coisa julgada coletiva irá beneficia-los do mesmo modo que a sentença penal condenatória beneficia os titulares de direitos civis decorrente de ilícito penal.
Assim, uma sentença coletiva que verse sobre direitos difusos pode servir de título para uma execução coletiva e para uma execução individual, proposta pela vítima que se beneficiou do transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. Obviamente, antes de executar a decisão, o indivíduo deverá proceder à liquidação do seu crédito, em que deverá demonstrar, inclusive, a existência do dano e do nexo de causalidade entre a conduta do réu e esse prejuízo. (...)” (Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. Vol 4. 5 ed. p. 371).

O STJ reconheceu a legitimidade do Ministério Público para ajuizar Ação Civil Pública na defesa dos direitos individuais homogêneos, na medida em que são espécie de direito coletivo lato senso, e é nessa condição que surge a legitimidade extraordinária do parquet. Isto porque a Ação Civil Pública que tutela direitos individuais homogêneos não se dirige a interesses individuais, mas coletivos. Todavia, nada impede que a coisa julgada “in utilibus” possa ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo.

Extrai-se do voto do Ministro Relator o seguinte trecho:

(…) O novel art. 129, inciso III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação de reparação de danos.
Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do Ministério Público para a ação popular, a ação civil pública ou o mandado de segurança coletivo.
Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material ou imaterial.
Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais.
A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.
A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações. (…) (STJ. REsp 700206 / MG. Relator Ministro LUIZ FUX. 09/03/2010)

Conclui-se portanto que o transporte “in utilibus” da coisa julgada é corolário do regime jurídico do processo coletivo, na medida em que busca dar efetiva proteção aos interesses individuais homogêneos, permitindo que todos os que tiveram seus direitos violados pela mesma causa resolvida em processo coletivo se beneficiem dos efeitos da coisa julgada, mesmo que não tenham sido parte na relação processual, afrouxando-se, assim, os limites subjetivos da tradicional coisa julgada do processo individual (472 do CPC).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

STF faz interpretação conforme a CF dos arts. 12, I; 16; e 41 da Lei 11.340/06

Fonte: Notícias STF

"Por maioria de votos, vencido o presidente, ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente, na sessão de hoje (09), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

A corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início à ação penal sem necessidade de representação da vítima.

O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas para a maioria dos ministros do STF essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha."

Notas do Autor:

A decisão é de grande relevância para a eficiente tutela de bens jurídicos fundamentais das mulheres. Ademais, a decisão representa uma mudança na jurisprudência e na aplicação prática da Lei 11.340/06. Isto porque em 2010, ao apreciar o tema da necessidade de representação como condição de procedibilidade de crime de lesão praticado com violência doméstica, o STJ, por meio de recurso especial julgado pelo rito da Lei de Recursos Repetitivos, entendeu ser necessária a representação da vítima da violência doméstica para propositura da ação penal. 

Segundo a maioria então formada, a inaplicabilidade da Lei n 9.099/95 somente dizia respeito aos institutos despenalizadores da Lei Maria da Penha (composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo), mas a representação, por ser matéria processual, seria aplicável à espécie.

Analisando-se a inicial formulada pela PGR verifica-se que um dos fundamentos utilizados para o pedido de declaração de inconstitucionalidade foi o da proibição de proteção deficiente de direitos fundamentais. Para tanto se suscitou a teoria da proporcionalidade no seu aspecto da proteção das omissões estatais (Lênio Streck), chamada também de proibição de insuficiência (Ingo Sarlet).

Conforme o consignado na inicial da ADI, "A ofensa ao princípio da proporcionalidade, sob o prisma da proibição da proteção deficiente (ou insuficiente), materializa-se, no caso, pelo empecilho a persecução penal nos crimes de lesões corporais tidas por leves, praticadas contra a mulher em ambiente doméstico, tornando vulneráveis bens jurídicos da mais alta importância — vida, saúde e ausência de discriminação contra a mulher — sem uma razão adequada que justifique a interpretação que ora se combate." (Inicial da ADI 4424)

Ao final das argumentações o PGR concluiu que: 
(i) a Lei 9.099 não se aplica, em hipótese alguma, aos crimes cometidos no âmbito da chamada Lei Maria da Penha, como, de resto, está expresso em seu art. 41; 
(ii) portanto, como consequência lógica e necessária, o crime de lesões corporais consideradas leves, praticado em ambiente doméstico, é de ação penal pública incondicionada; 
(iii) a representação a que se referem os arts. 12, I, e 16 da Lei Maria da Penha diz respeito a crimes em que esse requisito encontra previsão em lei outra que não a 9.099, como se dá, por exemplo, com a ameaça (art. 147, parágrafo único, CP).

Destarte, nos pedidos de mérito da ADI requereu-se: "seja julgado procedente o pedido, para o fim de se dar interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I, 16 e 41 da Lei 11.340/2006, para o fim de entender que os crimes cometidos com violência doméstica e familiar são de ação penal pública incondicionada, reservando-se a aplicação dos artigos 12, I, e 16 àqueles crimes em que a necessidade de representação está prevista em ato normativo distinto da Lei 9.099.(Inicial da ADI 4424), sendo este julgado procedente pelo STF no dia 9 de fevereiro de 2012.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Informativo nº 489 do STJ - ROUBO. CARTEIRO. COMPETÊNCIA.


Informativo nº 489 do STJ
Período: 5 a 19 de dezembro de 2011.

Nota do autor:
Conforme o entendimento pacífico da jurisprudência, inclusive do STJ, o julgamento de delitos (furtos e roubos) praticados em desfavor de agência franqueada dos Correios é de competência da Justiça Estadual, pois a franquia que é a responsável por eventuais danos de bens cedidos pela franqueadora, não configurado prejuízo à EBCT.

Todavia, se o crime for praticado contra agência própria da EBCT a competência seria da Justiça Federal, pois a exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal faz com que os danos sofridos em decorrência dos crimes atinjam bens e interesses da Unição. Neste sentido:

"(...) O Min. Relator explicitou que este Tribunal tem posição definida quanto à competência, fundando-se as decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal - em que a competência é da Justiça Federal (art. 109, IV, CF/1988) - ou se existe franquia - que é a exploração dos serviços de correios por particulares -, quando a competência é da Justiça estadual . Isso posto, a Turma concedeu a ordem para declarar nulo todo o processo desde o recebimento da denúncia e remeter os autos para a vara criminal federal na qual a impetração indica haver a apuração inicial dos fatos. Precedente citado: CC 46.791-AL." HC 39.200-SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 29/11/2005.

Renato Brasileiro leciona que: "Quanto à infração penal praticada em detrimento de agência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, importa destacar que o Superior Tribunal de Justiça tem fundamentado suas decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal caso em que a competência seria da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal ou se objeto de franquia, isto é, a exploração do serviço por particulares quando então se verificaria a competência da Justiça Estadual." (Competência Criminal , Editora Jus Podivm: 2010, p. 241).

No caso veiculado no informativo 489, foi praticado um crime de roubo contra um carteiro. Surgiram duas teses: uma primeira defendeu que a competência seria da Justiça Estadual, porquanto os bens subtraídos seriam pertencentes a particulares. 

A segunda tese, acolhida pelo STJ, sustentava que a competência seria da Justiça Federal uma vez que tanto no crime de furto quanto no de roubo, o sujeito passivo não é apenas o proprietário da coisa móvel, mas também o possuidor. No caso em análise, quando do cometimento do roubo, os bens se encontravam sob a guarda e responsabilidade da ECT.

Segue abaixo o trecho do infomativo:


ROUBO. CARTEIRO. COMPETÊNCIA.
A Justiça Federal é a competente para processar e julgar os crimes de roubo praticados contra carteiro da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) no exercício de sua função, com fulcro no disposto do art. 109, IV, da CF. Segundo ponderou o Min. Relator, não obstante os objetos subtraídos pertencerem a particulares, no momento do cometimento da infração, eles se encontravam sob a guarda e responsabilidade da ECT. Logo, o delito de roubo teria atingido, de forma direta, bens, serviços e interesses da empresa pública federal. Destacou-se que, tanto no crime de furto quanto no de roubo, o sujeito passivo não é apenas o proprietário da coisa móvel, mas também o possuidor e, eventualmente, até mesmo o mero detentor. Afirmou-se ser o caso de aplicação do enunciado da Súm. n. 147-STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”. Assim, uma vez reconhecida a incompetência absoluta da Justiça estadual para o julgamento da causa, a Turma concedeu de ofício a ordem para determinar a anulação dos provimentos judiciais proferidos, facultando a ratificação do juízo competente dos atos anteriormente praticados, inclusive dos decisórios não referentes ao mérito da causa. HC 210.416-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/12/2011.

Informativo 489 STJ - COMPETÊNCIA. CRIME PLURILOCAL. VERDADE REAL.


Informativo nº 489 do STJ
Período: 5 a 19 de dezembro de 2011.

Nota do autor:
Conforme o julgado abaixo colacionado (HC 196.458-SP), o STJ manteve o entendimento jurisprudencial no sentido de que a competência territorial é relativa. Ademais, em casos de crime de homicídio, a regra contida no art. 70 do CPP (segundo o qual a competência será do local da consumação do crime - teoria do resultado) deve ser relativizada, mediante uma interpretação teleológica do texto legal. Segundo o entendimento do STJ, no caso de um crime de homicídio em que a execução se dá em determinado local mas a consumação e ocultação do cadáver noutro, "o lugar que mais atende às finalidades almejadas pelo legislador ao fixar a competência de foro é o do local em que foram iniciados os atos executórios", adotando, assim, a teoria da atividade em detrimento da teoria do resultado da ação contida no art. 70 do CPP. 
Logo, buscando dar maior efetividade ao processo e tendo em vista a facilitação na produção das provas, baseando-se no princípio da busca da verdade real, a Turma fixou a competência para processamento e julgamento do caso no local em que se encontravam as testemunhas e vestígios do delito de homicídio. Segue o trecho do informativo:

COMPETÊNCIA. CRIME PLURILOCAL. VERDADE REAL.
In casu, o ora paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, I, III e IV, e no art. 211, ambos do CP, em concurso material. A denúncia foi recebida em parte pelo juiz singular da vara do júri de Guarulhos-SP, que, na mesma decisão, decretou a prisão preventiva do paciente. O habeas corpus impetrado perante o TJ foi denegado. Nesta superior instância, entre outras alegações, sustentou-se a ocorrência de constrangimento ilegal, pois o juiz que decretou a prisão do paciente seria incompetente para processar e julgar a causa. Aduziu-se, ainda, não haver como ser acolhida a tese do crime plurilocal por não existir nos autos nenhuma prova de que o crime ou os atos preparatórios ter-se-iam iniciado em Guarulhos. A Turma denegou o habeas corpus por entender, entre outras questões, que, no caso, embora os atos executórios do crime de homicídio tenham-se iniciado na comarca de Guarulhos, local em que houve, em tese, os disparos de arma de fogo contra a vítima, e não obstante tenha-se apurado que a causa efetiva da sua morte foi asfixia por afogamento, a qual ocorreu em represa localizada na comarca de Nazaré Paulista-SP, sem dúvida o lugar que mais atende às finalidades almejadas pelo legislador ao fixar a competência de foro é o do local em que foram iniciados os atos executórios, o juízo de Guarulhos. Observou-se que este é o local onde, em tese, ter-se-ia iniciado o crime, onde reside a maior parte das testemunhas arroladas tanto pela defesa quanto pela acusação, onde residem os réus e residia a vítima, onde a exemplaridade da pena mostrar-se-á mais eficaz e onde a instrução iniciou-se, colhendo-se provas não só testemunhais como técnicas, pelo que o desenrolar da ação penal nesse juízo, sem dúvidas, melhor atenderá às finalidades do processo e melhor alcançará a verdade real. Consignou-se, ainda, que eventual nulidade quanto à competência, no caso, é relativa, cujo reconhecimento exige não só a sua arguição no momento oportuno como também a demonstração de efetivo prejuízo, o que não ocorreu na espécie. Ademais, quando se firmou a competência do juízo da vara do júri de Guarulhos, nem sequer se tinha notícia de que a vítima morrera, sendo, pois, incerto o local da consumação do crime naquele momento, já que o corpo da ofendida somente foi localizado aproximadamente dezoito dias após o suposto cometimento do delito. HC 196.458-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 6/12/2011.