Princípio do poluidor-pagador e usuário-pagador e a cobrança pelo uso de recursos hídricos
Consoante ao princípio da precaução e do desenvolvimento sustentável, é o princípio do poluidor pagador. Este preceito tem as características de prevenção – tenta inibir a ocorrência de danos ambientais – e reparação, quando ocorrido o dano.
É necessário fazer este esclarecimento porque alguns podem imaginar que tal princípio transmite a idéia de “pagar para poluir”, ou “poluir mediante pagamento”, ou “pagar para evitar a contaminação”. Não se busca, por este princípio, meios para contornar a reparação do dano ou legitimar atos poluidores.
Regina Helena da Costa esclarece que “Genericamente, consiste tal princípio na exigência de que o agente poluidor arque com os custos das medidas de prevenção e controle da poluição”.
O PPP visa, principalmente, desestimular a atividade poluidora desmedida através de correções no mercado que façam com que o produtor tenha que escolher entre suportar o custo econômico da poluição ou deixar de poluir. (...)
Este princípio diminui o ônus social causado pela poluição por dois motivos: 1º) força a diminuição da poluição, em conseqüência, melhora as condições de vida da população, reduzindo os gastos com a reparação e contenção destes danos, diminuindo também os custos dessa poluição para a saúde pública; 2º) os valores cobrados do poluidor passam a ser utilizados pelo Estado para a preservação ambiental, diminuindo o peso das políticas de reparação e contenção de danos ambiental, desonerando em parte os contribuintes que tem arcado com os custos destas políticas públicas (MICHELIN, Fábio; BERGER FILHO, Airton Guilherme. Os princípios do direito ambiental e sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7117>.)
O princípio do poluidor pagador tem previsão no texto constitucional, visto o constante no art. 225, §3º da Constituição Federal:
Art. 225. (...)
§3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O princípio do poluidor pagador é previsto de maneira mais direta na legislação ambiental: o art. 4º, VIII da lei 6.938/81 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará:
Art. 4º. (...)
VIII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos;
Por meio da leitura deste dispositivo da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente se observa a existência de uma “extensão” do princípio do poluidor pagador: o princípio do usuário pagador, que “corresponde ao princípio econômico da verdade dos preços ou recuperação integral dos custos (...) e objetiva fazer com que os custos ligados aos recursos não sejam suportados nem pelos poderes públicos, nem por terceiros, mas pelos utilizadores e somente por eles” (IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney. O emprego de instrumentos econômicos na gestão ambiental, p. 63.).
Guilherme Cano, citado por Paulo Affonso Leme Machado assevera: "Quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir. É obvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando-a nos preços), ou os usuários de seus serviços (por exemplo, uma Municipalidade, em relação a seus serviços de rede de esgotos, aumentando suas tarifas). A eqüidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração" (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, p. 48.).
Através desses princípios se busca a internalização dos custos ambientais, pois o princípio do poluidor pagador e o princípio do usuário pagador fazem com que os poluidores/usuários do meio ambiente arquem com o custo integral de sua ação, praticando assim preços reais. Isto porque durante o processo produtivo, além dos gastos do produto, ocorrem ‘externalidades negativas’ que compõe seu custo integral. A externalidade é um conceito da economia onde um fenômeno externo a produção causa aumento ou diminuição no seu custo. São chamadas externalidades porque, embora resultante da produção empresarial, o custo extra (degradação ambiental) é arcado pela sociedade, visto que o meio ambiente é um bem de uso comum.
Paulo Affonso Leme Machado vai ainda mais longe ao afirmar que: “O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, p. 47.).
Portanto, sendo o Estado um dos sujeitos a quem foi atribuido o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225 da CF) e também a função de regulador da ordem econômica (art. 170 da CF), é sua obrigação criar mecanismos que permitam a internalização dos custos ambientais, atendendo assim os postulados do poluidor-pagador e usuário-pagador.
Atendendo a este dever o Estado brasileiro criou no final dos anos 90 a Política Nacional de Recursos Hídricos.
A Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) fundamenta-se basicamente nos princípios do poluidor pagador e usuário pagador ao reconhecer a água como “um recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (art. 1º, II da Lei 9.433/97) e condicionar o uso de recursos hídricos à outorga e sujeita-lo à cobrança. Assim, pode-se citar a cobrança de valores sobre a exploração e uso da água como exemplo de medida concreta decorrente dos princípios em análise.
Neste diapasão, demonstrando que trata da implementação de um aspectos dos princípios do poluidor e usuário pagador o art. 19 da Lei 9.433/97 determina que: “A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II - incentivar a racionalização do uso da água; II - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.”
Ante o exposto, é inequívoca a importância dos princípios do poluidor e usuário pagador, na medida em que são instrumentos fundamentais para a consecução do postulado constitucional de preservação do meio ambiente contido no art. 225 da Constituição Federal, além de cumprirem o relevante papel de fonte normativa que inspira a criação de medidas concretas de preservação tal como a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos.
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