XXXIII CONCURSO PÚBLICO DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA – 2008
Prova de direitos difusos e coletivos
1ª Questão - ver a questão
Excelentíssimo Sr. Juiz de Direito da
__ Vara de Canoinhas/SC
O Ministério Público do Estado de
Santa Catarina, por seu promotor de justiça abaixo assinado, com
fulcro no art. 127, art. 129, III e art. 37, §4º todos da CF; art.
17 da Lei 8.429/92, art. 21, IV “a” e “b” da Lei 8.625/93 e
art. 82, VI da LCE 197/00, vem a presença de Vossa Excelência
promover
Ação Civil Pública
contra Ato de Improbidade Administrativa
em face de Jõao dos Anzois,
ex-prefeito do Município de Canoinhas, qualificação tal;
Ardósia Maria, vereadora do
Município de Canoinhas, qualificação tal;
Fulano Ltda, pessoa jurídica de
direito privado, qualificação tal;
Aparecido Próprio, qualificação
tal;
Marcolino dos Anzóis,
qualificação tal;
Lindóia dos Anzóis,
qualificação tal.
Da Legitimidade Ativa
A legitimidade ativa do Ministério
Público para atuar no caso em tela decorre diretamente da CF, que,
em seu art. 127, determina que cabe ao parquet a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais. Buscando
viabilizar (instrumentalizar) a defesa deste direitos, em seu art.
129 a CF atribuiu ao Ministério Público a legitimidade para manejar
Ação Civil Pública para, dentre outras finalidades, tutelar o
patrimônio público e defender os direitos coletivos em sentido
amplo.
E neste sentido, é certo que a defesa
do patrimônio público e da probidade administrativa se revelam como
interesses difusos. Ora, não se trata de mera expectativa mas de
direito de todos os cidadãos gozar dos benefícios decorrentes da
boa gestão da coisa pública sendo que, na face oposta da mesma
moeda, toda a sociedade acaba sendo infligida pelos dessabores
decorrentes da malversação do erário.
A probidade administrativa, objeto da
ação civil pública, é valor que transcende o interesse
patrimonial da própria pessoa jurídica ou ente público, contra o
qual é praticado ato lesivo, e vai alcançar o interesse de toda a
coletividade.
Seguindo esta linha de raciocínio a
legislação ordinária também conferiu legitimidade ao parquet para
defesa do patrimônio público, haja vista o teor do art. 82, VI da
LCE 197/00, e art. 17 da Lei 8.429/92. E também a jurisprudência do
e. TJSC e dos tribunais superiores é pacífica em reconhecer a
legitimidade ativa do MP para promover a ação civil contra ato de
improbidade administrativa.
Dos Fatos
Após representação apresentada nesta
Promotoria de Justiça foi instaurado procedimento preparatório para
apuração de supostas ilegalidades realizadas pela administração
municipal na reforma do prédio da prefeitura.
Assim é que, de fato, foram
constatadas inúmeras ilegalidades as quais demonstram que todos os
agentes que compõe o polo passivo da presente ação se associaram
para praticar atos de improbidade em detrimento do patrimônio
público municipal.
Em agosto de 2004 o então prefeito
João dos Anzóis promoveu uma licitação (concorrência pública)
para reforma do prédio sede do poder executivo, orçando a obra em
R$ 1.000.000,00. Ocorre que desde o início a realização da obra
teria a finalidade de causar enriquecimento de agentes públicos em
prejuízo da administração, pois a obra seria superfaturada e a
empresa executora (Fulano Ltda) desviaria parte do valor
superfaturado em favor do então prefeito municipal e seus dois
filhos.
A primeira irregularidade constatada é
a patente infração ao art. 16, I e II da LC 101/00 (Lei de
Responsabilidade Fiscal) na medida em que os gastos com a obra não
são compatíveis com a LDO municipal. Ou seja o lançamento do
edital da licitação da obra já foi ilegal e irregular pois não
contava com a regular previsão de despesa nos termos das leis
financeiras (Lei 4.320/64 e LC 101/00). Logo, nos termos do Art. 15
da LRF a geração da despesa da obra é irregular e lesiva ao
patrimônio público.
Não bastasse, o edital não foi
devidamente divulgado, pois foi fixado somente no mural da Secretaria
de Obras do Município, afrontando diretamente os ditames da Lei
8.666/93.
Executando o plano de superfaturamento
a vereadora Ardósia Maria prestou informações privilegiadas e
sigilosas à empresa vencedora sobre o certame. Tal empresa, Fulano
Ltda, tinha como um de seus sócio justamente o filho do prefeito
Marcolino dos Anzóis, o que é mais um indicativo da ilegalidade
praticada com o fim de enriquecimento ilícito mediante o
superfaturamento da obra.
Assim que assinado o contrato em
setembro de 2004 o então prefeito liberou o pagamento de metade da
obra (R$500.000,00) como antecipação. Tal conduta viola as regras
financeiras e orçamentarias que não permitem o pagamento desta
forma. Inclusive a conduta viola o art. 40, XIV e §3 da Lei 8.666/93
e o art. 63 caput e §1, III c/c art. 62 da Lei 4.320/64,
configurando, portanto, conduta lesiva ao erário.
Comprovando o superfaturamento da obra,
foi apurado que os valores a serem pagos são superiores ao normal de
mercado, o qual é estimado em R$ 455.000,00, além do que a
qualidade do material empregado é inferior a contratada. Indicando
que o superfaturamento se destinou ao enriquecimento do prefeito e
seus filhos foi apurado ainda que Lindóia dos Anzóis (filha), mesmo
que sendo estudante universitária e sem emprego, possui um
patrimônio incompatível com sua condição, declarando no ano de
2006 possuir um imóvel e veículo avaliados em mais de duzentos mil
reais.
Também foi constatada a desproporção
patrimonial da vereadora Ardósia cujo acréscimo patrimonial
injustificado seria de R$ 120.000,00.
Por fim, apurou-se que os agentes
ímprobos, buscando evitar a anulação do contrato eiva do de
vícios, promoveram a inovação fraudulenta em ação popular, que
consistiu em falsificar a perícia judicial contábil lavrada pelo
períto Aparecido Póprio, companheiro da vereadora Ardósia Maria.
Houve a verificação de que a vereadora influenciou para que a
perícia lavrada por seu companheiro fosse favorável ao prefeito,
buscando, com isso, dar a aparência de legalidade ao ato, pois
segundo o laudo irregular o montante destinado para a prefeitura
previsto pela LDO seria suficiente para o pagamento da obra, o que
não é verdade.
Do Direito
Nos termos do art. 37, caput, e seu §4
da CF, a administração pública deve obediência aos princípios da
legalidade e da moralidade, sendo que os atos de improbidade
praticadas pelos agente públicos importarão nas sanções previstas
em lei.
Neste sentido a Lei 8.429/92 prevê as
condutas que configuram ato de improbidade e lhes culmina sanções
de natureza civil. Ademais, reclama o ressarcimento do dano causado
ao patrimônio público (art. 5º).
Os atos de improbidade, nas lições de
José Afonso da Silva, são uma imoralidade qualificada pelo
enriquecimento ilícito decorrentes de danos causados ao erário. A
probidade administrativa, de observância obrigatória, consiste no
dever de o funcionário servir a administração com honestidade,
procedendo no exercício de suas funções sem aproveitar dos poderes
ou facilidades delas decorrentes. Uma vez desatendido este dever de
probidade, o agente merece ser ser sancionado.
No caso dos autos os réus João dos
Anzois, ex-prefeito do Município de Canoinhas, Fulano Ltda,
Marcolino dos Anzóis, e Lindóia dos Anzóis, realizaram atos
ilícitos para o superfaturamento de uma obra pública, causando dano
ao erário e seu indevido enriquecimento.
O ex-prefeito auferiu vatagem
patrimonial em razão de seu mandato público, recebendo vantagem
econômica diretamente pela contratação de obra com preço superior
ao valor de mercado (art. 9º, II da Lei 8.429/92), sendo que a
empresa Fulano, e seus filhos Marcolino e Lindóia concorreram para a
prática do ato, e dele se beneficiaram (art. 3º da Lei 8.429/92).
São, portanto, solidariamente
responsáveis pela reparação dos danos causados (art. 5º da Lei
8.429/92) e estão sujeitos às penas do art. 12, I da Lei 8.429/92,
no que couber.
E não há que se falar em bis in idem
em razão da eventual responsabilização do ex-prefeito por crimes
de responsabilidade (Decreto-lei 201/67), nem mesmo em sujeição
exclusiva às sanções do referido diploma normativo. Isto porque as
sanções decorrentes da improbidade administrativa previstas na Lei
8.429/92 são de natureza civil, conforme já pacificou o STJ, e é
esfera autônoma de responsabilização dos agentes, ou seja,
independe da responsabilidade penal e administrativa.
Neste diapasão, o Ministério Público
tomou conhecimento da existência do julgamento de Ação Popular que
concluiu ser regular a contratação da obra realizada pelo
ex-prefeito de Canoinhas, cujo trânsito em julgado já se operou.
Nada obstante, não há que se falar em coisa julgada ou
prejudicialidade da presente ação civil pública contra ato de
improbidade. A uma porquanto a ação popular se presta somente para
anulação do ato impugando, ou seja, o objeto da ação contra ato
de improbidade é muito mais amplo, pois busca o ressarcimento do
erário mediante responsabilização dos agentes ímprobos, a
anulação dos atos ilegais, e a aplicação das sanções previstas
no art. 12 da Lei 8.429/92.
Ainda cumpre salientar que a ação
popular teve como causa de pedir somente a ilegalidade decorrente de
falta de dotação orçamentária. Após perícia contábil cuja
veracidade resta comprometida (conforme indícios acima mencionados)
a ação popular foi julgada improcedente com resolução de mérito.
Todavia não há que se falar em coisa julgada, na medida em que se
alegam fatos novos (outras causas de pedir) na presente ação, pois
os atos de improbidade são imputados aos agentes em razão da
prática de diversas ilegalidades, desde o desatendimento das normas
orçamentárias e financeiras, irregularidade no processo
licitatório, superfaturamento da obra, fraude na execução da
licitação entre outras.
De outra banda, Ardósia Maria,
vereadora do Município de Canoinhas, possui patrimônio
desproporcional a sua renda (art. 9º, VII, da Lei 8.429/92) além de
induzir na falsificação ideológica da perícia realizada por
Aparecido Próprio, que, segundo há indícios, recebeu vantagem
econômica para fazer declaração falsa em processo judicial,
aproveitando-se de seu cargo de perito (art. 9º, caput c/c art. 2º
da Lei 8.429/92). Logo, também estão sujeitos às penas do art. 12,
I da Lei 8.429/92, no que couber.
Das Medidas Assecuratórias
(Cautelares)
Os Art. 7º e 16 da Lei 8.429/92
autorizam a decretação de indisponibilidade de bens do agente
ímprobo, quando o ato de improbidade importar lesão ao patrimônio
público ou ensejar enriquecimento ilícito, devendo a restrição
recair sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano.
Neste diapasão, as investigações
demonstram que houve dano ao erário e que parte dos agentes e
terceiros se beneficiaram em razão deste dano.
Portanto, para se assegurar que ao
final da presente demanda seja possível ressarcir os cofres
públicos, a decretação de indisponibilidade é medida que se
impõe. O STJ já se manifestou em diversos julgados acerca do
cabimento desta medida cautelar no curso da ação principal, sendo
prescindível o manejo de ação autônoma. Por fim, presentes os
requisitos do art. 804 do CPC, entende-se que a constrição deve ser
deferida antes da justificação prévia, pois caso contrário há a
possibilidade dos agentes disporem de seus bens.
Dos Pedidos
Diante do exposto, depois de recebida
esta inicial e os documentos que a acompanham, o Ministério Público
requer:
a) a decretação liminar de
indisponibilidade, sem justificação prévia, de bens dos réus em
quantidade suficiente para garantir o integral ressarcimento do
patrimônio público (art. 18 da Lei 8.429/92), oficiando-se para
tanto os tabelionatos de registros de imóveis e órgão de trânsito
desta Comarca.
b) sejam os réus notificados para oferecer defesa e o posterior
recebimento da inicial, nos termos do art. 17, §§7º e 8º da Lei
8.429/92.
c) a citação dos réus para, querendo, contestar a presente ação.
d) a intimação do Município de Canoinha para, querendo,
integrar o polo ativo da lide (art. 17, §3º da Lei 8.429/92) ou adotar outra das condutas autorizadas.
e) a produção de todos os meios lícitos de provas admitidos,
especialmente a juntada de documentos anexos.
f) a intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos
processuais, na forma do art. 236, §2 do CPC.
g) o julgamento procedente da ação para que:
g.1) sejam os réus condenados solidariamente a reparar os danos causados, na forma do art. 5º da Lei 8.429/92;
g.2) seja imposta aos réus as penas do art. 12, I da Lei 8.429/92, quais sejam: perda dos bens e valores ilicitamente acrescidos, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo, proibição de contratar e receber benefícios ou incentivos do poder público pelo prazo de 10 anos.
h) condenação dos réus em custas e despesas processuais.
Dá-se à causa o valor de R$
500.000,00.
Canoinhas, data.
Promotor de Justiça Substituto.
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