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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Consequências de se considerar a ocultação de cadáver crime permanente

Questão interessante para a qual não havia atentado ainda é sobre as consequências de se considerar a ocultação de cadáver um crime permanente.

Inicialmente, cabe esclarecer que os crimes permanentes são aqueles cujo momento consumativo se prolonga no tempo. É a clássica afirmação de que o crime permanente é aquele que se protrai no tempo. Ou seja, a consumação continua ocorrendo enquando perdurar determinada situação. 

Logo, enquanto ocorrer a permanência o crime se encontra em execução, o que importa dizer que não se iniciou o prazo prescricional bem como é possível realizar uma prisão em flagrante.

Desta feita, o art. 211 do CP determina: "Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa."

Assim, há na doutrina e jurisprudência o entendimento bastante difundido de que o tipo do art. 211, na modalidade ocultação, seria um crime permanente. Neste sentido, transcreve-se um julgado do STJ de 2007:

"RECURSO ESPECIAL. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. DELITO PERMANENTE. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 
I - O crime previsto no art. 211 do Código Penal, na forma ocultar, é permanente. Logo, se encontrado o cadáver após atingida a maioridade, o agente deve ser considerado imputável para todos os efeitos penais, ainda, que a ação de ocultar tenha sido cometida quando era menor de 18 anos (Precedentes). (...)" (STJ. REsp 900509 / PR. Relator(a) Ministro FELIX FISCHER. Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 26/06/2007).

Ocorre que situações inusitadas podem vir a ocorrer caso se classifique a ocultação de cadáver como crime permanente. Dentre elas, cita-se a hipótese de se prender alguém em flagrante por um crime praticado há anos ou de se deflagrar uma ação penal contra uma ocultação de cadáver perpetrada há mais de 30 anos. É justamente isto que a PGR pretende fazer, com os argumentos acima indicados, em face dos agentes que praticaram crimes durante a ditadura militar. Sobre o tema colaciona-se um artigo do professor Luiz Flávio Gomes:

"Procuradores irão processar criminalmente os crimes da ditadura militar
Fonte: site Atualidades do Direito
http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/03/14/procuradores-irao-processar-criminalmente-os-crimes-da-ditadura-militar/

O Ministério Público Federal se prepara para ajuizar ações contra agentes do Estado acusados de envolvimento com crimes permanentes (sequestro e desaparecimento de pessoas) ocorridos durante a ditadura.

Na última segunda-feira, 12.03.12, Procuradores Federais reuniram-se em Brasília, com o objetivo de preparar o ajuizamento de ações contra responsáveis por crimes (sequestro e ocultação de cadáver, mais conhecidos entre entidades de defesa dos direitos humanos como desaparecimento forçado) ocorridos no período da ditadura militar.

Representantes do parquet federal argumentam pela possibilidade de acionar judicialmente os responsáveis por estes crimes, visto que não foram julgados até hoje e, ademais, sendo crimes considerados permanentes, não há que se falar em prescrição. No mesmo sentido, militantes de direitos humanos entendem que há brechas na lei que poderiam levar à condenação de civis e militares.

Uma das brechas estaria, por exemplo, na área cível, já que a Lei da Anistia tratou só de questões criminais. Trata-se da Lei 6.683/1979, que foi considerada de acordo com o art. 5º, caput, III e XXXIII, da CF, sem violar os princípios democrático e republicano, diante das circunstâncias históricas, pelo STF, na ADPF 153.

O artigo 1º da Lei dispõe:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. (Destacamos).

Fonte:
Estadão – MPF faz workshop sobre ditadura militar para preparar procuradores
Estadão – Investigação de procuradores reabre debate sobre revisão da Lei da Anistia

O acerto dos Procuradores da República nos parece indiscutível, não só porque os crimes permanentes não prescreveram, senão também porque a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no dia 24.11.10, determinou ao Brasil a investigação e, eventual, condenação de todos os responsáveis pelos crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). De outro lado, não se pode esquecer que a referida Corte ainda sublinhou que tais crimes não admitem anistia e que eventual lei nesse sentido é totalmente inconvencional (viola todas as convenções internacionais relacionadas com a matéria). Afirmou-se, ainda, a imperatividade da jurisdição da CIDH, visto que o Brasil a admitiu livremente. Pacta Sunt Servanda: somos livres para assumir compromissos. Depois que assumimos, temos que cumprir o que foi pactado (ou arcar com as consequências do não cumprimento).

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora."

Um comentário:

  1. Há problemas com o crime de ocultação de cadáver. E considerá-lo permanente. O problema é até quando existe cadáver. A ocultação de cadáver enquanto dura não admite de fato que corra prescrição. Mas a destruição do cadáver admite. E pelo tempo que decorreu e pelas circunstancias é bem possível que hoje não haja cadáver há muito tempo. Então após a ocultação deve ter ocorrdo a destruição ainda que por fatores naturais. Sendo que não há dúvida que o que causou as mortes não foram causas naturais e sim ação da repressão.
    Um segundo problema é que num esquema que envolveu muitas pessoas quem praticou a execução extrajudicial pode não ser a mesma pessoa que ocultou o cadáver (ou mesmo o destruiu).
    Quanto ao Pacta Sunt Servanda deve ser cumprido pelas duas partes. O Brasil ao assinar o tratado internacional com a CIDH em 1998 o assinou com cláusula de que a jurisdição daquele tribunal internacional seria só a partir da assinatura do tratado. Logo, quem está descumprindo o pacto?
    Embora não concorde com o que ocorreu durante a ditadura militar e acho que quem praticou crimes violentos dos dois lados deveria ser punido, creio que não há mais como reabrir a discussão sobre punições. Perdemos a chance de fazer a Justiça de Transição na época como outros países. E agora obedecer a CIDH seria mais desonroso para o Brasil que não cumpri-la.
    Visto o conceito de soberania não poder ser relativizado por uma decisão de tribunal internacional. O tratado foi assinado pelo Brasil com a condição que só valesse para fatos posteriores a sua assinatura. Uma nação como o Brasil não pode se submeter a uma decisão como esta. Visto o compromisso ter sido sob condição. E esta condição foi desrespeitada pela CIDH. Logo, não há inconvencionalidade alguma. Visto a observação da convencionalidade ter de ser de acordo com o tratado e não de acordo com a vontade exclusiva de um dos lados. Ainda que fosse inconvencional (e estou convencido que não é) a Constituição está acima das convenções internacionais. Estas só são legitimadas se de acordo com a Constituição. Quanto às sanções acho que no final teremos de arcar com elas. Acredito que será menos prejudicial para o Brasil que abrir mão de nossa soberania.

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