Por fim, não basta a imputabilidade e potencial consciência da ilicitude do agente para que se possa reprovar sua conduta típica e ilícita.
Além da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude, a culpabilidade exige que o agente do ilícito tivesse condições de atuar de modo diverso nas circunstâncias em que se encontrava, ou seja, que o autor pudesse se comportar de acordo com o ordenamento jurídico. É basicamente nisso que consiste o terceiro e último elemento da culpabilidade: a exigibilidade de conduta diversa.
A exigibilidade de conduta diversa impõe ao agente o dever de não violar os tipos penais objetivos, excepcionando somente situações extremas, nas quais não seria possível se exigir comportamento diverso.
De fato, trata-se de um conceito amplo e abstrato e como bem observa Zaffaroni, citado por Greco: “em última análise, todas as causas de inculpabilidade são hipóteses em que não se pode exigir do autor uma conduta conforme o direito.” (Rogério Greco. Curso de Direito Penal. Vol. I, 10a. Ed. p. 416).
Para Fernando Capez a exigibilidade de conduta diversa “consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adorado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma” (Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Vol. I, 12a. Ed. p. 327).
Vê-se portanto que aqui a análise também recai sobre as peculiares condições do agente e não sobre o fato, e, conforme dito anteriormente, isto não faz com que o Direito Penal deixe de ser “do fato” e se torne “do autor”. Não se analisa o padrão social, o “homem médio”, mas o autor do fato típico individualmente no caso concreto.
Essa capacidade de agir ou não conforme o direito segundo as circunstancias do caso concreto variará de acordo com o sujeito, de pessoa para pessoa, “não se podendo conceber um 'padrão' de culpabilidade. As pessoas são diferentes uma das outras. (…) Essas particulares condições é que deverão ser aferidas quando da análise da exigibilidade de outra conduta como critério de aferição ou de exclusão da culpabilidade, isto é, sobre o juízo de censura, de reprovabilidade (...)” (Rogério Greco. Curso de Direito Penal. Vol. I, 10a. Ed. p. 416).
Sobre as hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa (casos em que não se exige do autor do fato um agir diferente) há grande divergência doutrinaria e jurisprudencial.
Rogério Sanches e Fernando Capez entendem que são hipóteses legais de inexigibilidade: 1) a coação moral irresistível; 2) a obediência hierárquica (art. 22 do CP). Ademais, ambos admitem a existência de causa supralegal de inexigibilidade.
Rogério Greco indica como causas legais: 1) a coação moral irresistível; 2) a obediência hierárquica (art. 22 do CP); 3) aborto quando a gravidez seja resultante de estupro (art. 128, II do CP). O autor também admite a existência de causas supralegais, alegando que não existe impedimento para que se possa aplicar a causa exclupante supralegal de inexigibilidade.
Mirabete não aponta de forma expressa quais as hipóteses que entende ser causa de inexigibilidade, dando a entender que seria somente a coação moral irresistível. Nada obstante, a divergência principal do autor reside no fato dele não admitir as causas supra legais. O autor assevera: “Nosso Código Penal não contempla a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da culpabilidade. (…) a tese de que deveria ser inserida a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da culpabilidade na lei não foi aceira na reforma de 1984.” (Julio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 23 ed. p. 195).
Quanto à dissidência jurisprudencial, Fernando Capez aponta que o TJSP, por sua Quarta Câmara Criminal, tem julgados que não reconhece causas supralegais. E que o STJ entende contrariamente que existem causas além das expressamente previstas.
Nada obstante, observa-se que o legislador apresentou no Código Penal duas hipóteses que configuram situações concretas de inexigibilidade de conduta diversa, quais sejam, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, nos termos do art. 22 do CP.
A coação deve ser moral, na medida em que a coação física exclui a vontade do coagido, não havendo que se falar nem sequer em conduta. Do mesmo modo a coação moral deve ser irresistível, pois sendo resistível configura a hipótese de atenuante genérica da pena (art. 65, III, “c” do CP). A consequência é a punibilidade exclusiva do autor da coação, configurado uma das hipóteses de autoria mediata.
A obediência hierarquia exige que a conduta decorra de uma ordem de superior hierárquico (titular de função pública) e que a ordem não seja manifestamente ilegal. A consequência é a punibilidade exclusiva do autor da ordem, configurado também uma das hipóteses de autoria mediata.
Ocorre que, por mais minucioso que fosse o legislador, não seria possível prever todas as hipóteses que poderiam vir a configurar o instituto em análise, razão pela qual nada impede que outras situações sejam reconhecidas, no caso concreto, como hipótese de inexigência de conduta diversa. Cita-se como exemplo de inexigibilidade o excesso exculpante, que é o excesso na reação defensiva; o caso de aborto de feto anencefálico, que é citado por parte da doutrina; a desobediência civil, entre outros.
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