Como se sabe, o CC02 foi desenvolvido sobre três pedras fundamentais (princípios norteadores): O primeiro é o princípio da operabilidade, o qual consiste na imposição de soluções viáveis, operáveis e sem grandes dificuldades na aplicação do direito. “O Principio da Operabilidade importa na concessão de maiores poderes hermenêuticos ao magistrado, verificando no caso concreto as efetivas necessidades a exigir a tutela jurisdicional.” (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, 2007, p. 51).
O segundo é o princípio da sociabilidade, que impõe prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana em detrimento dos interesses dos contratantes. Ou seja, a validade dos negócios jurídicos entre particulares se submete ao atendimento de sua função social. A função social não elimina completamente a autonomia privada, mas atenua sua liberdade em face dos interesses coletivos.
O princípio da boa-fé objetiva, o qual decorre diretamente do princípio da eticidade é importantíssimo instrumento adotado pelo CC02, sendo que tal princípio exerce relevantes funções na regulamentação das relações jurídicas entre particulares.
Dentre as funções da boa-fé objetiva a doutrina aponta sua função integradora, por meio da qual se busca valorizar a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 do CC); a função interpretativa, sendo a boa-fé uma forma de interpretação dos negócios jurídicos (art. 113 do CC); e a função de controle das relações jurídicas, na medida em que a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes a qualquer negócio e a violação de tais deveres caracteriza abuso de direito, passível de controle (art. 187 CC).
Assim, corolário do princípio da eticidade e da boa-fé objetiva, surge o dever de mitigar o próprio dano. É portanto uma obrigação relacionada a boa-fé objetiva, o chamado “duty to mitigate the loss”, segundo o qual, o credor tem o dever de mitigar os prejuízos que serão reparados posteriormente pelo devedor.
Conforme aponta Pablo Stolze Gagliano trata-se de "importante figura, desenvolvida no Direito Norte-Americano, e que, especialmente nos últimos tempos, tem despertado a atenção da nossa doutrina e da jurisprudência pátria, consiste no duty to mitigate (dever de mitigar).
Como decorrência do princípio da boa-fé objetiva, deve, o titular de um direito (credor), sempre que possível, atuar para minimizar o âmbito de extensão do dano, mitigando, assim, a gravidade da situação experimentada pelo devedor." (Editorial 13. http://pablostolze.ning.com/page/editoriais-1)
Destarte, o “duty to mitigate the loss” reflete a exigência imposta ao credor de atuar para minimizar os próprios danos, os quais serão reparados posteriormente pelo do devedor (autor do fato que gerou o dano), na medida do possível.
O instituto "(...) traduz uma recomendável atenuação desta crise relacional, em prol inclusive do princípio da confiança." (Editorial 13. http://pablostolze.ning.com/page/editoriais-1)
O instituto "(...) traduz uma recomendável atenuação desta crise relacional, em prol inclusive do princípio da confiança." (Editorial 13. http://pablostolze.ning.com/page/editoriais-1)
Neste sentido, foi elaborado o Enunciado 169, na III Jornada de Direito Civil, no qual a boa-fé objetiva determina que o credor tente amenizar a majoração dos danos:
Enunciado 169 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.
Deste modo, ao deixar de mitigar os próprios prejuízos, em infringência ao princípio da boa-fé objetiva, o credor vem a agravar o dever de indenizar da outra parte. Ou seja, mesmo podendo, deixa de agir pois sabe que o devedor irá ser responsabilizado pela reparação dos danos, pouco se importando que este dever de reparar se torne extenso e penoso para o devedor.
Logo, caso o credor não observar a incumbência imposta pelo ordenamento, deverá suportar consequências de natureza econômica. Ou seja, deverá haver uma redução proporcional do valor a ser pago como indenização, isto em razão do ato ilícito também praticado pelo credor (vítima do dano). Trata-se de parcial inadimplemento contratual (dever anexo de reduzir o dano) que gera uma compensação.
Logo, caso o credor não observar a incumbência imposta pelo ordenamento, deverá suportar consequências de natureza econômica. Ou seja, deverá haver uma redução proporcional do valor a ser pago como indenização, isto em razão do ato ilícito também praticado pelo credor (vítima do dano). Trata-se de parcial inadimplemento contratual (dever anexo de reduzir o dano) que gera uma compensação.
De forma muito clara, Flávio Tartuce ensina que o comportamento ilícito do credor gera as seguintes consequencias:
"Não cumprido o dever de mitigar o próprio prejuízo, o credor poderá sofrer sanções, seja com base na proibição de venire contra factum proprium, seja em razão de ter incidido em abuso de direito, como ocorre em França.
No âmbito do direito brasileiro, existe o recurso à invocação da violação do princípio da boa fé objetiva, cuja natureza de cláusula geral, permite um tratamento individualizado de cada caso, a partir de determinados elementos comuns: a prática de uma negligência, por parte do credor, ensejando um dano patrimonial, um comportamento conduzindo a um aumento do prejuízo, configurando, então, uma culpa, vizinha daquela de natureza delitual.
A consideração do dever de mitigar como dever anexo, justificaria, quando violado pelo credor, o pagamento de perdas e danos. Como se trata de um dever e não de obrigação, contratualmente estipulada, a sua violação corresponde a uma culpa delitual." (Flávio Tartuce. www.flaviotartuce.adv.br/artigos/Tartuce_duty.doc)
Reconhecendo a normatividade do instituto do “duty to mitigate the loss”, o STJ já o aplicou no seguinte julgado:
DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade.
2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.
3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.
4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.
5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).
6. Recurso improvido.
(STJ. REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)
Excelente artigo! claro e conciso.
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