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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

MPMG "L" (50º) Prova Grupo II - QUESTÃO 2

Resolução da Prova dissertativa Ministério Públido de Minas Gerais - MPMG


MPMG "L" (50º) Prova Grupo II - QUESTÃO 2 (valor: 2 pontos)

Estabeleça a distinção conceitual entre decisões definitivas e decisões com força de definitivas, que estão mencionadas no artigo 593, II, do código de processo penal como passíveis de impugnação pelo recurso de apelação. (justifique sua resposta em, no máximo, 15 linhas)

As decisões definitivas são as sentenças que julgam o mérito, colocando fim a uma relação jurídica processual, mas sem absolver ou condenar o acusado, pois estas últimas hipóteses terão cabimento no art. 593, I do CPP.
Assim, as decisões definitivas julgam as outras relações jurídicas processuais que se desenvolvem no processo penal, mas que não digam respeito a condenação ou absolvição, são, por exemplo, as decisões que resolvem os pedidos de restituição de coisas apreendidas.
Já as decisões com força de definitivas são as decisões terminativas. São aquelas decisões que encerram a relação processual sem julgamento do mérito ou põe fim a uma fase do procedimento. São exemplos a decisão de impronúncia ou absolvição sumária.
Por fim cabe ressaltar que no processo penal a apelação tem um caráter residual, isto é, só tem cabimento quando não houver previsão expressa de cabimento de recurso em sentido estrito para a mesma hipótese. Um exemplo que comprova este aspecto residual é a decisão de rejeição da denúncia: muito embora tenha esta decisão força de definitiva não é impugnável por apelação, mas por recurso em sentido estrito, haja vista o teor do art. 581, I do CPP.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

MPMG "L" (50º) Prova Grupo II - Questão 3

Resolução da Prova dissertativa Ministério Públido de Minas Gerais - MPMG

MPMG "L" (50º) Prova Grupo II - QUESTÃO 3 (valor: 2 pontos)

A decisão que recebe o aditamento da denúncia interrompe a prescrição? O acórdão que anula a sentença condenatória extingue o efeito interruptivo da prescrição? (Justifique suas respostas em, no máximo, 15 linhas)

Dispõe o art. 117 do CP que a prescrição se interrompe pelo recebimento da denúncia ou da queixa, sendo o dispositivo omisso quanto ao aditamento da inicial acusatória. Portanto, mediante interpretação do artigo em comento, conclui-se que a prescrição irá ou não ser interrompida com o recebimento do aditamento da denúncia conforme sua natureza.

O aditamento da denuncia é a peça que vem emendar (retificar) uma imputação, adicionar novo delito na acusação ou incluir co-réu na relação processual. Na primeira hipótese, não havendo uma inovação substancial na acusação, alterando-se somente circunstâncias da acusação, é possível se sustentar que a prescrição não será interrompida pelo recebimento do aditamento. Já nas duas hipóteses seguintes (inclusão de novo delito ou de novo réu) a única possibilidade é entender que o recebimento deste aditamento equivalerá ao recebimento de uma nova denúncia, pelo o que merece causar os mesmos efeitos, no caso, a interrupção do prazo prescricional de que trata o art. 117, I do CP.

Cumpre destacar ainda que em razão do disposto no art. 117, §1º, se houver a interrupção em face de um dos acusados, tal efeito é estendido a todos os demais.

De outro lado, sendo a sentença condenatória anulada o raciocínio é no sentido de que perderá todos seus efeitos, inclusive o que interrompia a prescrição, na medida em que a anulação dos atos tem efeito ex-tunc”: por serem nulos retiram-se seus efeitos, como se o ato não existisse.

MPMG "L" (50º) Prova Grupo II - Questão dissertativa

Resolução da Prova dissertativa Ministério Públido de Minas Gerais - MPMG


MPMG "L" (50º) Prova Grupo II - Questão dissertativa - valor: 4 pontos ( no máximo, 60 linhas)

Disserte sobre a tentativa, abordando, necessariamente, os seguintes tópicos:

a) subsunção/natureza jurídica do conatus;

b) natureza jurídica da tentativa abandonada e da tentativa qualificada;

c) delito de alucinação e tentativa inidônea;

d) intervenção predisposta da autoridade e crime de ensaio.


Em que pese a atual divergência doutrinária acerca da finalidade/função do direito penal (se é proteger bens jurídicos ou a garantia de vigência da norma) há uma certeza: seu instrumento de coerção é a pena.

Num Estado Constitucional de Direito, a pena, sendo uma redução de um bem jurídico do apenado, é limitada por normas que visam garantir a dignidade da pessoa humana. Ou seja, o poder/dever do Estado aplicar as penas deve observar os princípios expressos e implícitos previstos na CF.

Um dos princípios basilares do direito penal é o da legalidade, segundo o qual, não há crime sem lei anterior que o defina.

Deste modo, atendendo ao postulado da legalidade, só há que se falar em crime quando houver subsunção formal e material de uma conduta a um tipo penal abstratamente previsto em lei, ou seja, é indispensável que exista tipicidade da conduta.

Ocorre que, em determinadas situações, uma conduta será somente parcialmente típica: sua subsunção será incompleta à norma penal abstrata. Há casos em que um fato praticado não reunirá todos os elementos de sua definição legal, pois não atingiu sua consumação: houve uma interrupção no caminho do “iter criminis”. Tome-se como exemplo o crime de homicídio. “A” pode desferir dez tiros de arma de fogo contra “B” e, ainda assim, não matá-lo. “A” cogitou o crime, realizou atos preparatórios, iniciou a execução mas não atingiu a consumação.

Em face deste problema, que poderia redundar em flagrantes injustiças, foi criado no direito penal o instituto da tentativa, segundo o qual é possível se punir agentes de condutas delituosas que, embora iniciadas, não venham a se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Verifica-se, portanto, que a natureza jurídica da tentativa é de norma de extensão temporal, pois amplia a proibição contida nas normas penais incriminadoras, quando a subsunção não puder se realizar de forma direta.

Isto é, a subsunção não ocorre somente entre fato e tipo penal, reclamando uma norma complementar (de extensão), circunstância que a doutrina denomina de subsunção indireta.

Já a tentativa abandonada (ou tentativa qualificada) se verifica nas hipóteses de desistência voluntária ou arrependimento eficaz, conforme previsão constante no art. 15 do CP. Trata-se de duas hipóteses em que o agente, voluntariamente e não por circunstâncias alheias a sua vontade, desiste ou evita a consumação do delito.

Quanto a sua natureza jurídica existem duas posições. Uma primeira corrente entende que a hipóteses é de extinção de punibilidade, além das previstas no art. 107 do CP. A segunda corrente sustenta que a tentativa abandonada configura hipótese de atipicidade da conduta, na medida em que afasta a incidência da norma de extensão temporal, ou seja, afasta a aplicação da norma contida no art. 14, II do CP, o que acarreta na atipicidade formal do fato.

Noutro lado, o chamando delito de alucinação consiste no conhecido delito putativo, ou erro de proibição ao contrário. Este instituto consiste na conduta praticada por um agente que imagina estar infringindo uma norma de proibição penal, quando na realidade sua conduta não é proibida pelo direito.

Já a tentativa inidônea se verifica quando é impossível atingir-se a consumação do crime, seja em razão da ineficiência absoluta do meio ou da impropriedade absoluta do objeto. É o chamado “crime impossível” cuja previsão legal se encontra no art. 17 do CP.

Por fim, o crime de ensaio e a intervenção predisposta da autoridade são figuras muito próximas, mas que recebem tratamento bastante diverso, distinção esta que é objeto de crítica por parte da doutrina.

O crime de ensaio é o conhecido “flagrante preparado”, no qual a autoridade pública instiga o agente do crime a realizar uma conduta típica para então efetuar sua prisão em flagrante. Tal conduta é vedada pela jurisprudência, havendo inclusive súmula editada pelo STF (sum. 145 STF). Segundo o verbete, não há crime quando a preparação do flagrante torna impossível sua consumação.

A intervenção predisposta da autoridade consiste no “flagrante esperado”, no qual a autoridade pública se predispõe e, sem interferir, aguarda a realização da execução do crime para prender o agente em flagrante delito. Neste caso, em que não há um agente provocador, a jurisprudência entende ser legal e sem vícios a prisão em flagrante, não havendo que se falar em crime impossível, na medida em que o bem jurídico foi colocado em risco e haveria possibilidade, ainda que relativa, de consumação do delito.

domingo, 25 de setembro de 2011

Para configuração do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/92 exige-se, necessariamente, o efetivo prejuízo ao erário?

Para configuração do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/92 exige-se, necessariamente, o efetivo prejuízo ao erário? 

A pergunta é pertinente, e causa divergência doutrinária e jurisprudencial. Isto se dá porque no próprio texto legal há uma aparente contradição. O art. 21 da LIA (Lei 8.429/92) dispõe expressamente que: 

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).” 

Por sua vez, o art. 10 da LIA prevê: 

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…)” 

Vê-se assim que o art. 10 da LIA exige a ocorrência de dano ao erário, ao passo que o art. 21 diz que sua ausência não impede a aplicação das sanções previstas na lei, sem fazer qualquer ressalva ao art. 10 do mesmo diploma. Ou seja, o Art. 10 reclama o efetivo dano ao patrimônio público, ao passo que o art. 21 o dispensa. 

Diante disso, há quem defenda a existência de prejuízo presumido para configuração de atos de improbidade previstos no art. 10 da LIA, conclusão obtida pela leitura de alguns dos incisos do referido artigo, como por exemplo o inciso VI: “realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;” 

Flávia Cristina Moura de Andrade e Lucas dos Santos Pavione, apontam que “a matéria não é pacífica na doutrina (…) Wallace Paiva Martins Junior entende que as hipóteses previstas nos incisos encerram prejuízo presumido, ao passo que as hipóteses enquadráveis no caput implicariam na comprovação da perda patrimonial” (Improbidade Administrativa. Ed. Jus Podivm. p. 99). 

Há portanto aqueles que defendem a possibilidade de enquadramento de atos de improbidade no art. 10 da LIA mediante a presunção de danos ao erário; outros entendem que as hipóteses enquadráveis no caput implicariam na comprovação do dano, e nos incisos seria possível a presunção; e os que entendem que os atos de improbidade previstos no art. 10 exigem o efetivo prejuízo ao erário, sob pena de não-tipificação da conduta. 

Haveria, para esta última corrente, uma exceção ao inciso I do art. 21, o qual somente deve ser aplicado nos casos de improbidade administrativa descritos nos arts. 9º e 11 da LIA.

Nada obstante, entendemos que há na verdade duas situações distintas que devem ser tratadas de modos diferentes. 

Um primeiro ponto inquestionável é o de que a LIA tutela a probidade na administração, e não somente o erário. Logo, não são somente os agentes de atos que causem dilapidação do patrimônio público que devem ser punidos: merecem sanção todos os autores de atos ímprobos, imorais. 

Neste diapasão, o conceito de patrimônio público adotado pela LIA merece interpretação ampla, tomando-se como base o conceito de patrimônio público que foi adotado na Lei de Ação Popular, como sendo os bens de valores econômico, artístico, estético, histórico ou turístico. Portanto, a expressão “patrimônio público” não deve ser tomada como sinônimo de erário, pois este termo abrange somente o aspecto econômico do patrimônio público. 

A doutrina entende que “o prejuízo não deve ser aferido exclusivamente sob o prisma pecuniário, partindo-se do pressuposto de que o conceito de patrimônio público deve ser o mais amplo possível, de forma a dar máxima eficácia ao dispositivo em comento.” (Flávia Cristina Moura de Andrade e Lucas dos Santos Pavione. Improbidade Administrativa. Ed. Jus Podivm. p. 54). 

Deste modo, mesmo que um ato não venha a causar danos aos cofres público, pode sim ser considerado ímprobo e sujeitar seu autor às penas previstas da LIA. 

Ocorre que, em uma segunda situação, para configuração de ato de improbidade que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA), parece-nos óbvio que a lesão deva ser verificada no caso concreto. Ausente o dano não há que se falar em tipicidade da conduta no art. 10 da LIA. Todavia, nada impede que a conduta venha a ser enquadrada em um outro dispositivo da lei, seja no art. 9 ou no art. 11, pois “a lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429⁄92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei n.º 8.429⁄92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário.” (STJ. REsp 714935⁄PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA) 

O que não se reputa cabível é subsumir um ato que não cause lesão a um artigo de lei que a exija para ser aplicável. 

Portanto, podem haver atos de improbidade administrativa que não causem danos econômicos ao patrimônio público, mas, para configuração do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/92 exige-se, necessariamente, o efetivo prejuízo econômico ao erário. 

É este também o entendimento adotado pelo STJ, conforme julgado recente, de agosto do presente ano: 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. PRETENSÃO DE QUE A CORTE DE ORIGEM REJULGUE OS FATOS ENQUADRADOS NO ART. 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, AO FUNDAMENTO DE QUE O REJULGAMENTO DO QUE PERTINE AO ART. 10 DA REFERIDA LEI FORÇA NOVA ANÁLISE DE TODOS OS FATOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. 

1. A configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa (atos de Improbidade Administrativa que causam prejuízo ao erário), à luz da atual jurisprudência do STJ, exige a presença do efetivo dano ao erário (critério objetivo), o mesmo não ocorrendo com o tipo previsto no art. 11 da mesma lei (atos de Improbidade Administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública), que se prende ao volitivo do agente (critério subjetivo)

2. Na Lei n. 8.429/92, o prejuízo ao erário e o dolo não são interdependentes, podendo aquele, inclusive, ocorrer por culpa do administrador ímprobo. 

3. A pretensão recursal de ver caracterizada a violação do art. 11 da Lei n. 8.429/92 passa, necessariamente, pela análise da existência do dolo, e não enseja a verificação do efetivo dano, o que faz incidir, na espécie, o entendimento da Súmula n. 7 do STJ, uma vez que é necessário o reexame fático-probatório para o fim de revisar o entendimento da Corte de origem, que consignou a existência do dolo no agir dos réus. 

4. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no REsp 1177579 / PR. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Data do Julgamento 16/08/2011)

Portanto, os atos de improbidade previstos no art. 10 exigem o efetivo prejuízo ao erário, sob pena de não-tipificação da conduta, sendo que existe uma exceção ao inciso I do art. 21, o qual somente é cabível nos casos de improbidade administrativa descritos nos arts. 9º e 11 da LIA.

sábado, 24 de setembro de 2011

O princípio da precaução

O princípio da precaução 

É cediço que ocorrido um dano ambiental, sua recuperação é lenta, difícil e dispendiosa; isso quando há possibilidade de recuperação, visto que existem casos de danos irreversíveis. Portanto, evitar que danos ocorram é imprescindível para preservação do meio ambiente. 

Desta ideia inicial é que advém o princípio da precaução. A aplicação deste princípio implica na adoção de medidas anteriores à ocorrência de um dano concreto, especialmente quando inexista certeza sobre a extensão e consequências da lesão. 

Uma definição mais técnica proposta na Conferência RIO em 14 de junho de 1992, foi a seguinte: 

O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano (LENZ, Leonardo Martim. Proteção ambiental via sistema tributário. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6343>.). 

O princípio da precaução também está dentre os Princípios da Declaração do Rio de Janeiro, expressos nos números 15 e 17 que assim declaram: 

Princípio 15: de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 

Princípio 17: a avaliação do impacto ambiental, como instrumento internacional, deve ser empreendida para as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente (Conferência das Nações unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Declaração do rio sobre ambiente e desenvolvimento de 06/1992). 

Há na doutrina uma divergência sobre a similitude ou divergência entre o princípio da precaução e o da prevenção. Em que pese as razoáveis opiniões em contrario, entende-se que o princípio da prevenção é um instrumento diverso do da precaução, na medida em que a prevenção se apóia em certezas científicas do impacto ambiental: exatamente por se saber que uma atividade é danosa o princípio da prevenção busca evitar que o dano possa vir a ocorrer, adotando-se, assim, medidas preventivas – por exemplo o uso de tutelas inibitórias. 

Já a precaução é instrumento que atua contra os riscos potenciais de dano ambiental, os quais não podem ser cientificamente identificados no atual estado de conhecimento. O fundamento deste preceito é justamente o de que não se pode correr o risco de causar um dano que possa atingir o meio ambiente de modo irreversível. Na dúvida se protege o ambiente, em detrimento da atividade potencialmente poluidora. 

Deste modo, pode-se afirmar que a incidência do princípio da precaução redunda em uma inversão do ônus da prova, vez que caberá àquele que pretende realizar uma atividade de risco provar que sua conduta não causará resultados danosos e irreversíveis. 

Paulo Affonso Leme Machado afirma que “em certos casos, em face da incerteza científica, a relação de causalidade é presumida com o objetivo de evitar a ocorrência de dano. Então, uma aplicação estrita do princípio da precaução inverte o ônus normal da prova e impõe ao autor potencial provar, com anterioridade, que sua ação não causará danos ao meio ambiente” (Direito Ambiental Brasileiro. 1999, p. 57).

Neste diapasão, o STJ já acolheu esta tese, tendo a Corte atribuido ao empreendedor o ônus de provar a seguraça de sua atividade:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1. Fica prejudicada o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia. 2. O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes. 3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do emprendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução. 4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 972902 / RS, Ministra ELIANA CALMON).

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Informativo 482 STJ: Critérios para reconhecimento da paternidade e maternidade socioafetiva

Informativo STJ 482 Período: 29 de agosto a 9 de setembro de 2011.

INVESTIGAÇÃO. PATERNIDADE. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PARTILHA.

Trata-se de REsp decorrente de ação originária de ação de investigação de paternidade e maternidade socioafetiva cumulada com petição de herança e ratificação de partilha. In casu, a ora interessada, autora da referida ação, foi acolhida pelos pais adotivos do ora recorrido quando tinha quatro anos de vida, entregue por sua mãe biológica, que não tinha condições financeiras de criar a filha e seus quatro irmãos. Seu registro civil foi providenciado pela mãe biológica somente quando ela já tinha quase seis anos de idade, após solicitação do casal, tendo em vista a necessidade de matricular a criança no ensino regular. O convívio dela com o casal, no mesmo lar, perdurou por 16 anos, terminando apenas com o casamento dela, quando tinha 19 anos de idade. 

Em 1995, o pai adotivo do recorrido faleceu e, aberto o inventário, cuja inventariante foi a mãe adotiva, nada foi repassado a ela a título de herança. Nesse contexto, entendeu a Min. Relatora que, na hipótese, conspira contra o reconhecimento da filiação socioafetiva a constatada guarda de fato que se depreende da manifesta ausência de atitudes concretas do casal de reconhecer a ora interessada como sua filha adotiva, fato que ganha ainda maior relevo quando comparado com a situação do recorrido, que foi adotado pelo casal. Observou que, mesmo pairando dúvida quanto à natureza efetiva das relações existentes entre o casal e a interessada, o óbito do pai adotivo do recorrido e a subsequente realização do inventário, que teve como inventariante a esposa guardiã dela, trouxeram elementos de certeza no que já era perceptível, o casal não a considerava como filha.

Frisou chegar-se a essa conclusão pelo beneficiamento único do recorrido como herdeiro, sem que a inventariante, mãe adotiva do recorrido, agisse de alguma forma para sanar a possível irregularidade e outorgar à ora interessada status de filha socioafetiva do casal. Diante dessas razões, entre outras, a Turma negou provimento ao recurso.

REsp 1.189.663-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/9/2011.

Comentários do autor:

Conforme o julgado acima mencionado, o STJ entendeu que a mera guarda de fato, ainda que perdure por diversos anos, não é suficiente para a criação do vínculo de filiação socioafetiva. No caso foram consideradas as circunstâncias que indicavam a ausência de vontade dos pais em adotar e criar o vínculo de filiação.
Conclui-se assim que para a configuração do parentesco socioafetivo não é possível se adotar somente critérios objetivos, como existência de guarda de fato por longo período de tempo. A situação sempre deve ser avaliada conforme as circunstâncias de cada caso concreto.

domingo, 18 de setembro de 2011

Informativo STF 639 - Inexistência de nulidade em exame grafotécnico e recusa do investigado

5 a 9 de setembro de 2011 - Nº 639.
Exame grafotécnico e recusa do investigado

A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se sustentava a nulidade de sentença condenatória por crime de falso, sob a alegação de estar fundamentada em prova ilícita, consubstanciada em exame grafotécnico a que o paciente se negara realizar. Explicitou-se que o material a partir do qual fora efetuada a análise grafotécnica consistira em petição para a extração de cópias, manuscrita e formulada espontaneamente pelo próprio paciente nos autos da respectiva ação penal. Consignou-se inexistir ofensa ao princípio da proibição da auto-incriminação, bem assim qualquer ilicitude no exame grafotécnico. Salientou-se que, conforme disposto no art. 174, II e III, do CPP, para a comparação de escritos, poderiam servir quaisquer documentos judicialmente reconhecidos como emanados do punho do investigado ou sobre cuja autenticidade não houvesse dúvida. Em seguida, aduziu-se que a autoridade poderia requisitar arquivos ou estabelecimentos públicos do investigado, a quem se atribuíra a letra. Assentou-se que o fato de ele se recusar a fornecer o material não afastaria a possibilidade de se obter documentos. Ademais, mesmo que se entendesse pela ilicitude do exame grafotécnico, essa prova, por si só, não teria o condão de macular o processo. Por fim, em relação à dosimetria, assinalou que o STF já tivera a oportunidade de afirmar entendimento no sentido de que, uma vez reconhecida a continuidade delitiva, a exasperação da pena, a teor do que determina o art. 71 do CP, ocorreria com base no número de infrações cometidas.

sábado, 17 de setembro de 2011

Informativo STF 639 - Absolvição de pessoa física e condenação penal de pessoa jurídica

5 a 9 de setembro de 2011 - Nº 639.
Absolvição de pessoa física e condenação penal de pessoa jurídica

É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 (“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”).

RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. (RE-628582)

Comentários do autor:

O referido julgado afasta a necessidade de aplicação da teoria da dupla imputação.

De acordo com a "Teoria da dupla imputação" a responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos crimes ambientais, só pode ocorrer quando há, simultaneamente, a imputação da pessoa física (ente moral) e da pessoa física que atua em seu nome ou ainda, em seu benefício. Tal entendimento é adotado no STJ, conforme o julgado:


PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO.
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes).
Recurso especial provido. (REsp 889528/SC, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007, v.u., DJ 18/06/2007, p. 303).

Diante do entendimento do STF, não há que se falar em "responsabilidade por ricochete" (a responsabilidade da pessoa jurídica é indireta ou mediata ou por ricochete). Segundo os defensores desta responsabilidade mediata, o principal responsável pelo delito é uma pessoa física e a pessoa jurídica responderia pelo fato somente de modo indireto.

Conforme o julgado, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em crimes ambientais é autônoma, direta e imediata, não dependendo de responsabilização da pessoa física.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Informativo STF 639 - inaplicabilidade de bagatela por furto de objeto com valor sentimental

5 a 9 de setembro de 2011 - Nº 639
Princípio da insignificância e furto de prêmio artístico

A 1ª Turma denegou habeas corpus em que requerido o trancamento de ação penal, ante a aplicação do princípio da insignificância, em favor de acusado pela suposta prática do crime de furto de quadro denominado “disco de ouro”. A defesa sustentava atipicidade da conduta, porque o bem possuiria valor apenas sentimental e teria sido restituído integralmente ao ofendido. De início, salientou-se que o acusado praticara o delito com invasão de domicílio e ruptura de barreira, o que demonstraria tanto a sua ousadia quanto o alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. Aduziu-se que aquela conduta, por si só, não se enquadraria dentre os vetores que legitimariam a aplicabilidade do referido postulado. Asseverou-se, ainda, que o objeto subtraído seria dotado de valor inestimável para a vítima. Reputou-se não ter havido a restituição, porquanto o agente fora encontrado nas imediações do local do delito, logo após a ocorrência deste. O Min. Luiz Fux acrescentou que a aplicação do princípio da bagatela deveria levar em conta o valor da res furtiva para o sujeito passivo do crime. Frisou que, no caso, o ofendido recebera a premiação do “disco de ouro” após muito esforço para se destacar no meio artístico. Logo, explicitou que não se poderia cogitar insignificante a conduta do acusado sob qualquer ângulo.

Comentários do Autor:

Muito interessante o julgado acima tratado do STF, na medida em que a Corte reconheceu importantes parâmetros para aplicação do princípio da insignificância (atipicidade material da conduta).

Verifica-se que para o STF:

a) o furto circunstanciado por conduta que revela a ousadia do agente é incompatível com a bagatela. No caso, a invasão de domicílio e roptura de barreira indicaram a reprovabilidade do comportamento, o que, por si só, inviabliza a aplicação do princípio da insignificância.

b) a análise do valor do objeto material dos crimes patrimoniais (no caso analisado um furto) deve ser realizada sob o prisma da vítima, ou seja, para aplicação do instituto da bagatela deve ser considerado o valor da coisa para o sujeito passivo do delito.

c) o valor do objeto para aplicação da insignificância não é somente o econômico, mas também o valor  moral ou sentimental.

Informativo STF 639 - Tráfico de drogas e impossibilidade de sursis

5 a 9 de setembro de 2011 - Nº 639

Tráfico ilícito de entorpecentes e suspensão condicional da pena - 2

Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma denegou, por maioria, habeas corpus em que se pleiteava a suspensão condicional da pena a condenado pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33) — v. Informativo 624. Reputou-se não se poder cogitar do benefício devido à vedação expressa contida no art. 44 do referido diploma (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”), que estaria em harmonia com a Lei 8.072/90 e com a Constituição, em seu art. 5º, XLIII (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”). Vencido o Min. Dias Toffoli, que deferia a ordem ao aplicar o mesmo entendimento fixado pelo Plenário, que declarara incidentalmente a inconstitucionalidade do óbice da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito em crime de tráfico ilícito de droga.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

"Duty to mitigate the loss": o dever de mitigar o próprio prejuízo

Como se sabe, o CC02 foi desenvolvido sobre três pedras fundamentais (princípios norteadores): O primeiro é o princípio da operabilidade, o qual consiste na imposição de soluções viáveis, operáveis e sem grandes dificuldades na aplicação do direito. “O Principio da Operabilidade importa na concessão de maiores poderes hermenêuticos ao magistrado, verificando no caso concreto as efetivas necessidades a exigir a tutela jurisdicional.” (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, 2007, p. 51).


O segundo é o princípio da sociabilidade, que impõe prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana em detrimento dos interesses dos contratantes. Ou seja, a validade dos negócios jurídicos entre particulares se submete ao atendimento de sua função social. A função social não elimina completamente a autonomia privada, mas atenua sua liberdade em face dos interesses coletivos.

E por fim o princípio da eticidade, que é a observância obrigatória da justiça e boa-fé nas relações civis. Na formação, execução e conclusão dos negócios jurídicos as partes devem agir com lealdade e de boa-fé. Sobre a eticidade Rodrigo Eduardo Rocha Cardoso explicita que: "Este princípio reflete a idéia de que as relações negociais devem ser regidas por valores e condutas de modo a desenvolver-se da forma mais honesta e correta. Desse modo, quando um contrato prejudica uma das partes, estar-se-á ofendendo o princípio da boa-fé. A boa-fé pode ser entendida como o agir correto, leal e confiável conforme os padrões culturais de uma dada época e local."(http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=132)


O princípio da boa-fé objetiva, o qual decorre diretamente do princípio da eticidade é importantíssimo instrumento adotado pelo CC02, sendo que tal princípio exerce relevantes funções na regulamentação das relações jurídicas entre particulares. 

Dentre as funções da boa-fé objetiva a doutrina aponta sua função integradora, por meio da qual se busca valorizar a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 do CC); a função interpretativa, sendo a boa-fé uma forma de interpretação dos negócios jurídicos (art. 113 do CC); e a função de controle das relações jurídicas, na medida em que a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes a qualquer negócio e a violação de tais deveres caracteriza abuso de direito, passível de controle (art. 187 CC).

Assim, corolário do princípio da eticidade e da boa-fé objetiva, surge o dever de mitigar o próprio dano. É portanto uma obrigação relacionada a boa-fé objetiva, o chamado “duty to mitigate the loss”, segundo o qual, o credor tem o dever de mitigar os prejuízos que serão reparados posteriormente pelo devedor.

Conforme aponta Pablo Stolze Gagliano trata-se de "importante figura, desenvolvida no Direito Norte-Americano, e que, especialmente nos últimos tempos, tem despertado a atenção da nossa doutrina e da jurisprudência pátria, consiste no duty to mitigate (dever de mitigar).
Como decorrência do princípio da boa-fé objetiva, deve, o titular de um direito (credor), sempre que possível, atuar para minimizar o âmbito de extensão do dano, mitigando, assim, a gravidade da situação experimentada pelo devedor." (Editorial 13. http://pablostolze.ning.com/page/editoriais-1)

Destarte, o “duty to mitigate the loss” reflete a exigência imposta ao credor de atuar para minimizar os próprios danos, os quais serão reparados posteriormente pelo do devedor (autor do fato que gerou o dano), na medida do possível. 


O instituto "(...) traduz uma recomendável atenuação desta crise relacional, em prol inclusive do princípio da confiança." (Editorial 13. http://pablostolze.ning.com/page/editoriais-1)


Neste sentido, foi elaborado o Enunciado 169, na III Jornada de Direito Civil, no qual a boa-fé objetiva determina que o credor tente amenizar a majoração dos danos:

Enunciado 169 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.

Deste modo, ao deixar de mitigar os próprios prejuízos, em infringência ao princípio da boa-fé objetiva, o credor vem a agravar o dever de indenizar da outra parte. Ou seja, mesmo podendo, deixa de agir pois sabe que o devedor irá ser responsabilizado pela reparação dos danos, pouco se importando que este dever de reparar se torne extenso e penoso para o devedor.

Logo, caso o credor não observar a incumbência imposta pelo ordenamento, deverá suportar consequências de natureza econômica. Ou seja, deverá haver uma redução proporcional do valor a ser pago como indenização, isto em razão do ato ilícito também praticado pelo credor (vítima do dano). Trata-se de parcial inadimplemento contratual (dever anexo de reduzir o dano) que gera uma compensação.

De forma muito clara, Flávio Tartuce ensina que o comportamento ilícito do credor gera as seguintes consequencias:

"Não cumprido o dever de mitigar o próprio prejuízo, o credor poderá sofrer sanções, seja com base na proibição de venire contra factum proprium, seja em razão de ter incidido em abuso de direito, como ocorre em França. 
No âmbito do direito brasileiro, existe o recurso à invocação da violação do princípio da boa fé objetiva, cuja natureza de cláusula geral, permite um tratamento individualizado de cada caso, a partir de determinados elementos comuns: a prática de uma negligência, por parte do credor, ensejando um dano patrimonial, um comportamento conduzindo a um aumento do prejuízo, configurando, então, uma culpa, vizinha daquela de natureza delitual. 
A consideração do dever de mitigar como dever anexo, justificaria, quando violado pelo credor, o pagamento de perdas e danos. Como se trata de um dever e não de obrigação, contratualmente estipulada, a sua violação corresponde a uma culpa delitual." (Flávio Tartuce. www.flaviotartuce.adv.br/artigos/Tartuce_duty.doc)

Reconhecendo a normatividade do instituto do “duty to mitigate the loss”, o STJ já o aplicou no seguinte julgado:

DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade.

2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.

3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.

4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.

5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).

6. Recurso improvido.

(STJ. REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Princípios institucionais do Ministério Público: unidade e indivisibilidade

Princípios institucionais do Ministério Público: unidade e indivisibilidade. 

O art. 127 da CF, ao fazer a primeira menção ao órgão do Ministério Público, dispõe que: “(...) é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” para em seguida apresentar o rol de princípios institucionais. Assim, no §1º do Art. 127 a CF aponta que são princípios institucionais do Ministério Público: 1) a unidade; 2) a indivisibilidade; e 3) a independência funcional. 

Mas há uma importante questão que merece análise mais apurada: conceituar e distinguir os princípios da unidade e indivisibilidade do órgão do Ministério Público. 

Como bem nota Hugo Nigro Mazzilli estes dois princípios, oriundos da tradição do Ministério Público francês, são invocados muitas vezes de forma confusa e enigmática pela doutrina e jurisprudência dos Tribunais. 

O referido autor aponta as seguintes questões: “Significaria a unidade que o Ministério Público é um só órgão, com uma só direção (chefia)? Significaria a indivisibilidade que o ofício do Ministério Público é único (uma só função), e está centralizado nas mãos do chefe do Parquet? Significaria, ainda, a indivisibilidade que o chefe do Ministério Público poderia exercer diretamente qualquer função do Ministério Público (avocatória) ou, então, designar livremente qualquer membro da instituição para que o faça, o que garantiria a possibilidade de substituição recíproca entre os membros do Ministério Público (designação ou delegação)?” (Hugo Nigro Mazzilli. Ministério Público. Ed. Damásio de Jesus. 3 ed. 2005. São Paulo. p. 35) 

E adiante arremata: “Para o Direito brasileiro, está completamente equivocada essa concepção de unidade e indivisibilidade, que entre nós não tem todo esse alcance. 
Quanto aos conceitos de unidade e indivisibilidade do Ministério Público, é preciso buscar seu verdadeiro alcance no Brasil, Estado Federado, onde, diversamente da França (Estado unitário, que inspirou a regra da unidade e indivisibilidade do Ministério Público), a unidade e a indivisibilidade devem ser compreendidas em termos.” (Hugo Nigro Mazzilli. Ministério Público. Ed. Damásio de Jesus. 3 ed. 2005. São Paulo. p. 36) 

Ao determinar a unidade do Ministério Público a CF estabeleceu que a apenas uma instituição, e não a várias, cabe o exercício das funções institucionais que lhe foram atribuídas. 

Destarte, em cada Estado da Federação haverá de existir um único Ministério Público. Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina que “na sua estruturação, o Ministério Público deve ser uno. Ou seja, submetido a um único ponto de comando, no que concerne à sua organização administrativa.” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988; volume 3; pág. 40). 

No mesmo diapasão Hugo Nigro Mazzilli entende que a unidade significa que o Ministério Público é um só órgão, sob uma só direção. Tal regra é aplicável para cada Ministério Público de cada Unidade Federativa. 

Mas o autor alerta: “mesmo essa chefia, porém, é antes administrativa que funcional, pois seus membros gozam de independência no exercício das funções.”. 

De outro lado, a indivisibilidade é consequencia direta do princípio da unidade. Isto porque partindo da premissa de que é um único órgão, o Ministério Público não se pode subdividir em vários outros Ministérios Públicos. 

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, esclarece que indivisível quer dizer que “a instituição não pode ser duplicada, de modo a que suas funções sejam cometidas a estruturas diferentes e paralelas.” 

A indivisibilidade consiste no fato de que todos os membros do Ministério Público estão a exercer a mesma função, podendo, assim, ser substituídos uns pelos outros, na forma estabelecida em lei (princípio do promotor natural). 

“Assim, o Ministério Público é, efetivamente, um só órgão, com uma só chefia, exercendo uma só função, mas dentro de certos limites: a) só no âmbito de cada Ministério Público se pode falar em verdadeira unidade; b) existe chefia e poder hierárquico, mas essa chefia é antes administrativa que funcional; c) a substituição dos membros da instituição pode ser feita, mas somente na forma prevista em lei. 
Verifica-se, claramente, que os princípios da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público, no Brasil, são, pois, princípios relativos. Mesmo a substituição de membros do Ministério Público é regulada por diversas leis, não podendo ser feita de forma arbitrária, e mesmo os atos praticados pelo órgão substituto só podem ser aproveitados se não violarem o princípio do Promotor natural. 
Entre nós, o que se pode admitir, conceitualmente, é uma unidade de ofício de Ministério Público. Assim, quando o Código de Processo Penal prevê que “o Ministério Público” oferecerá a denúncia em prazo mais exíguo quando o réu estiver preso processualmente ou, em prazo mais dilatado, quando estiver solto, está a referir-se a qualquer Ministério Público, da União ou de qualquer Estado. Quando o Código de Processo Civil comete atribuições “ao Ministério Público”, está indistintamente a referir- se a qualquer deles. Sob o ponto de vista organizacional, porém, como órgãos estatais, cada Ministério Público tem sua chefia, sua unidade, suas autonomias, sua própria indivisibilidade. (Hugo Nigro Mazzilli. Ministério Público. Ed. Damásio de Jesus. 3 ed. 2005. São Paulo. p. 36-37.)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

STJ: Pai biológico não tem legitimidade para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento de filiação socioafetiva

No dia de hoje, 13/09/2011, foi publicada notícia no site do STJ que dá conta de um julgado em que a Corte entendeu ser o pai biológico parte ilegítima para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento de filiação socioafetiva.

O caso é o que a doutrina denomina de "ação vindicatória do filho". Flávio Tartuce ensina que a referida ação, "é aquela demanda que cabe ao pai biológico (ou até eventualmente à mãe biológica) em face de um terceiro que acabou por registrar um filho que é seu. Trata-se de uma ação essencialmente declaratória, e de estado, o que justifica a sua imprescritibilidade. Essa ação deve correr na Vara da Família, já que foi fundada na filiação." (Flávio Tartuce. As verdades parentais e a ação vindicatória de filho. Leituras Complementares de Direito Civil. Direito das Famílias. Ed. Jus Podivm. p. 110).

A ação vindicatória de filho não conta com expressa regulamentação legal, tendo como base normativa a regra do art. 1.604 do CC (Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro) e nos princípios da dignidade humana e da solidariedade social e familiar. 

O próprio STJ, em decisões anteriores, já havia decidido ser cabível a ação vindicatória, e, em aparente contradição, atribuiu a legitimidade ativa ao pai biológico:

"Processual civil e civil. Família. Viabilidade de reconhecimento da relação de parentesco por terceiro. Impossibilidade jurídica do pedido não caracterizada. - Possibilidade jurídica do pedido é a admissibilidade da pretensão perante o ordenamento jurídico. - A ausência de vedação à pretensão autoriza a propositura da ação, a fim de que se examine o mérito e se proclame a existência ou inexistência de determinado direito. - O STJ ampliou a possibilidade de reconhecimento de relação de parentesco, nos moldes da moderna concepção de direito de família. - A pretensão dos autores de, através da via declaratória, buscar estabelecer, com provas hábeis, a legitimidade e certeza da relação de parentesco não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido. Recurso especial conhecido e provido." (STJ. REsp 326136 / MG. Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI)

Nada obstante, em que pese a possibilidade de ser o registro questionado em juízo, Flávio Tartuce aponta que no mérito da demanda surge, em um primeiro plano, a discussão quanto à verdade biológica. Mas é principalmente a verdade socioafetiva a que deve ser ponderada ou ajustada nos casos da ação vindicatória.

"Quanto à verdade registral, ela deve ser concebida no sentido de que foi o réu aquele que reconheceu o filho de outrem, no caso o autor da ação, como seu. Justamente por esse motivo é que o objetivo da ação também será o reconhecimento da falsidade ou erro no registro" (Flávio Tartuce. As verdades parentais e a ação vindicatória de filho. Leituras Complementares de Direito Civil. Direito das Famílias. Ed. Jus Podivm. p. 112).

E é somente nestes casos, de falsidade ou erro no registro, em que o pai biológico tem direito a reinvidicar a filiação, logo que toma conhecimento do fato, de forma mais breve o possível, sob pena de ter seu pleito indeferido quando, em razão do tempo e outros fatores, como o afeto, vier a ser criado o vínculo socioafetivo entre o pai que reconheceu a paternidade e a criança.

Ora, muitas vezes o pai registral estabelece vínculo socio afetivo com a criança, pois "a paternidade em si mema não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea." (Flávio Tartuce. As verdades parentais e a ação vindicatória de filho. Leituras Complementares de Direito Civil. Direito das Famílias. Ed. Jus Podivm. p. 109). Nestes casos já existe uma filiação, um parentesco, cuja natureza é socioafetiva, não podendo ser simplesmente desfeito. Em tais hipóteses, a "ação vindicatória de filho deverá ser julgada improcedente" (Flávio Tartuce. As verdades parentais e a ação vindicatória de filho. Leituras Complementares de Direito Civil. Direito das Famílias. Ed. Jus Podivm. p. 112).

Conforme julgados do STJ: "A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida deascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família." (STJ. REsp 1087163 / RJ Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI).

Vê-se portanto que, a princípio, a verdade socioafetiva goza de preponderância sobre a verdade biológica. Logo, se em determinado caso concreto houver prova de filiação socioafetiva o caso é de julgamento improcedente da demanda. 

Nada obstante, na notícia de que cuida o presente artigo, o STJ tomou rumo diverso do proposto pela doutrina, na medida em que, muito embora tenha julgado improcedente a demanda, o fez sob o argumento de ilegitimidade do autor (pai biológico) deixando de julgar o mérito da causa. 

Não se decidiu a matéria da causa, sendo a ação extinta sem o julgamento do mérito (267, VI do CPC), por falta de uma condição da ação (legitimidade). Deste modo, não se colocou fim a crise de certeza levada ao judiciário.

Ao que parece, o STJ, visando o melhor interesse da criança, julgou a demanda de modo que a questão não fosse definitivamente julgada (e atingida pelos efeitos de imutabilidade da coisa julgada), haja vista que na própria notícia veiculada pelo site da Corte consta que: "a Terceira Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença na parte que reconheceu a ilegitimidade do pai biológico para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento. No futuro, ao atingir a maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se quiser".

O trecho em destaque deixa claro a intenção de extinguir a ação sem julgamento do mérito e assim possibilitar sua rediscussão, a ser suscitada pela criança ao atingir a maioridade, se assim o desejar.

Deste modo, em que pese o entendimento da própria Corte no sentido de ser cabível a "ação vindicatória de paternidade" pelo pai biológico que busca anular um registro de nascimento, neste peculiar caso a questão deixou de ser decidida sob o fundamento de ilegitimidade do pai biológico, para assim ser mantido o registro decorrente de vínculo socioafetivo e possibilitar, no futuro, eventual retificação da certidão de nascimento.

Segue a íntegra da notícia:

fonte STJ: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103144

Pai biológico não consegue alterar certidão de menor registrada pelo pai afetivo

Após sete anos de disputa judicial entre pai biológico e pai de criação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o registro civil de uma menina deverá permanecer com o nome do pai afetivo. Os ministros entenderam que, no caso, a filiação socioafetiva predomina sobre o vínculo biológico, pois atende o melhor interesse do menor. 

A criança nasceu da relação extraconjugal entre a mãe e o homem que, mais tarde, entraria com ação judicial pedindo anulação de registro civil e declaração de paternidade. A menina foi registrada pelo marido da genitora, que acreditava ser o pai biológico. Mesmo após o resultado do exame de DNA, ele quis manter a relação de pai com a filha. 

Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento de mérito por ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. Mas o juiz deu a ele o direito de visita quinzenal monitorada. No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a alteração do registro civil da menor, para inclusão do nome do pai biológico, e excluiu a possibilidade de visitas porque isso não foi pedido pelas partes. 

Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso do pai afetivo, os ministros reconheceram a ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. O Código Civil de 2002 atribui ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de filiação. 

A relatora destacou que o próprio código abre a possibilidade de outras pessoas com interesse jurídico na questão discutirem autenticidade de registro de nascimento. Segundo ela, o pai biológico pode contestar a veracidade de registro quando fica sabendo da existência de filho registrado em nome de outro. “Contudo, a ampliação do leque de legitimidade para pleitear a alteração no registro civil deve ser avaliada à luz da conjunção de circunstâncias”, afirmou a ministra. 

Analisando as peculiaridades do caso, a relatora constatou que o pai afetivo sempre manteve comportamento de pai na vida social e familiar, desde a gestação até os dias atuais; agiu como pai atencioso, cuidadoso e com profundo vínculo afetivo com a menor, que hoje já é adolescente. Ele ainda manteve o desejo de garantir o vínculo paterno-filial, mesmo após saber que não era pai biológico, sem ter havido enfraquecimento na relação com a menina. 

Por outro lado, a relatora observou que o pai biológico, ao saber da paternidade, deixou passar mais de três anos sem manifestar interesse afetivo pela filha, mesmo sabendo que era criada por outra pessoa. A ministra considerou esse tempo mais do que suficiente para consolidar a paternidade socioafetiva com a criança. “Esse período de inércia afetiva demonstra evidente menoscabo do genitor em relação à paternidade”, concluiu Nancy Andrighi. 

Em decisão unânime, a Terceira Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença na parte que reconheceu a ilegitimidade do pai biológico para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento. No futuro, ao atingir a maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se quiser. 

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Conceitos - Processo cautelar

Processo cautelar

Trata-se de um instrumento acessório por meio do qual se busca tutelar o objeto ou as provas de um outro processo cognitivo ou executivo principais.

O processo cautelar tem por finalidade assegurar, na máxima medida possível, a eficácia prática de uma providência cognitiva ou executiva. Busca, portanto, assegurar a utilidade de um processo de conhecimento ou de execução, quanto à finalidade respectiva de cada um deles. O processo cautelar é, portanto, dependente de outro, seja cognitivo ou executivo. (Dinamarco)

Conceitos - Processo executivo


Processo executivo
Trata-se de um instrumento por meio do qual se materializa o direito no qual o Estado-juiz, de forma exclusiva, aplica medidas coercitivas (atividade coercitiva) ou invade o patrimônio do devedor (atividade sub-rogatória), tutelando-se a parte lesada de forma específica, entregando-a bem jurídico equivalente ou ressarcindo-a em perdas e danos.

Imposição do Estado, invadindo o patrimônio do devedor pra satisfazer o direito material do credor. Dinamarco fala que execução é conjunto de atos estatais, através dos quais se invade o patrimônio do devedor, para, à custa desses, realizar-se o resultado pratico desejado concretamente, pelo direito objetivo material.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Conceitos - Processo de Conhecimento


Processo de conhecimento
Um dos tipos de processo previstos no direito processual civil (ao lado do de execução e cautelar) que por meio de uma atividade cognitiva do juiz tem por finalidade precípua resolver as crises de adimplemento, direito ou certeza.

Processo de conhecimento é uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir tutela jurisdicional mediante o julgamento da pretensão exposta ao juiz; como em todo processo jurisdicional, os atos que o compõem são realizados por sujeitos também interligados entre si por um vínculo muito especial e típico, que é a relação jurídica processual. O mais relevante dos fatores que o identificam e diferenciam das demais espécies de processo é a sentença de mérito, que só ele é apto a produzir e os outros, não.” Dinamarco.

Informativo STF 638

29 de agosto a 2 de setembro de 2011 - Nº 638.
Ato administrativo: contraditório e ampla defesa
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que questionada a legalidade de decisão administrativa por meio da qual foram cancelados 4 qüinqüênios anteriormente concedidos a servidora pública e determinada a devolução dos valores percebidos indevidamente. Na espécie, a servidora recorrida postulara, junto à Administração, averbação de tempo de serviço preteritamente prestado, o que lhe fora deferido. Cerca de 3 anos mais tarde, recebera um comunicado da recorrente com a informação de que os qüinqüênios teriam sido concedidos irregularmente e que o montante a eles vinculado seria debitado de seus vencimentos mensais. O ente federativo sustenta que atuara com fundamento no poder de autotutela da Administração Pública e alude à desnecessidade, na hipótese, de abertura de qualquer procedimento, ou mesmo de concessão de prazo de defesa ao interessado, de modo que, após a consumação do ato administrativo, a este incumbiria recorrer ao Poder Judiciário. O Min. Dias Toffoli, relator, desproveu o recurso. Afirmou que, a partir da CF/88, foi erigido à condição de garantia constitucional do cidadão, quer se encontre na posição de litigante, em processo judicial, quer seja mero interessado, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Asseverou que, a partir de então, qualquer ato da Administração Pública capaz de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deveria ser precedido de procedimento em que se assegurasse, ao interessado, o efetivo exercício dessas garantias. Após discorrer sobre apanhado teórico e jurisprudencial a respaldar essa assertiva, reputou que, no caso, o cancelamento de averbação de tempo de serviço e a ordem de restituição dos valores imposta teriam influído inegavelmente na esfera de interesses da servidora. Dessa maneira, a aludida intervenção estatal deveria ter sido antecedida de regular processo administrativo, o que não ocorrera, conforme reconhecido pela própria Administração. Ressaltou que seria facultado à recorrente renovar o ato ora anulado, desde que respeitados os princípios constitucionais que lhe são inerentes. O Min. Luiz Fux acompanhou o relator e ressaltou que a servidora teria percebido os citados valores de boa-fé, pois o adicional fora deferido administrativamente. Acrescentou que a devolução do que recebido, nessas condições, seria repudiada pelo Tribunal de Contas da União, no Verbete 249 de sua Súmula. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Culpabilidade - parte III

Por fim, não basta a imputabilidade e potencial consciência da ilicitude do agente para que se possa reprovar sua conduta típica e ilícita. 

Além da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude, a culpabilidade exige que o agente do ilícito tivesse condições de atuar de modo diverso nas circunstâncias em que se encontrava, ou seja, que o autor pudesse se comportar de acordo com o ordenamento jurídico. É basicamente nisso que consiste o terceiro e último elemento da culpabilidade: a exigibilidade de conduta diversa. 

A exigibilidade de conduta diversa impõe ao agente o dever de não violar os tipos penais objetivos, excepcionando somente situações extremas, nas quais não seria possível se exigir comportamento diverso. 

De fato, trata-se de um conceito amplo e abstrato e como bem observa Zaffaroni, citado por Greco: “em última análise, todas as causas de inculpabilidade são hipóteses em que não se pode exigir do autor uma conduta conforme o direito.” (Rogério Greco. Curso de Direito Penal. Vol. I, 10a. Ed. p. 416). 

Para Fernando Capez a exigibilidade de conduta diversa “consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adorado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma” (Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Vol. I, 12a. Ed. p. 327). 

Vê-se portanto que aqui a análise também recai sobre as peculiares condições do agente e não sobre o fato, e, conforme dito anteriormente, isto não faz com que o Direito Penal deixe de ser “do fato” e se torne “do autor”. Não se analisa o padrão social, o “homem médio”, mas o autor do fato típico individualmente no caso concreto. 

Essa capacidade de agir ou não conforme o direito segundo as circunstancias do caso concreto variará de acordo com o sujeito, de pessoa para pessoa, “não se podendo conceber um 'padrão' de culpabilidade. As pessoas são diferentes uma das outras. (…) Essas particulares condições é que deverão ser aferidas quando da análise da exigibilidade de outra conduta como critério de aferição ou de exclusão da culpabilidade, isto é, sobre o juízo de censura, de reprovabilidade (...)” (Rogério Greco. Curso de Direito Penal. Vol. I, 10a. Ed. p. 416). 

Sobre as hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa (casos em que não se exige do autor do fato um agir diferente) há grande divergência doutrinaria e jurisprudencial. 

Rogério Sanches e Fernando Capez entendem que são hipóteses legais de inexigibilidade: 1) a coação moral irresistível; 2) a obediência hierárquica (art. 22 do CP). Ademais, ambos admitem a existência de causa supralegal de inexigibilidade. 

Rogério Greco indica como causas legais: 1) a coação moral irresistível; 2) a obediência hierárquica (art. 22 do CP); 3) aborto quando a gravidez seja resultante de estupro (art. 128, II do CP). O autor também admite a existência de causas supralegais, alegando que não existe impedimento para que se possa aplicar a causa exclupante supralegal de inexigibilidade. 

Mirabete não aponta de forma expressa quais as hipóteses que entende ser causa de inexigibilidade, dando a entender que seria somente a coação moral irresistível. Nada obstante, a divergência principal do autor reside no fato dele não admitir as causas supra legais. O autor assevera: “Nosso Código Penal não contempla a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da culpabilidade. (…) a tese de que deveria ser inserida a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da culpabilidade na lei não foi aceira na reforma de 1984.” (Julio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 23 ed. p. 195). 

Quanto à dissidência jurisprudencial, Fernando Capez aponta que o TJSP, por sua Quarta Câmara Criminal, tem julgados que não reconhece causas supralegais. E que o STJ entende contrariamente que existem causas além das expressamente previstas. 

Nada obstante, observa-se que o legislador apresentou no Código Penal duas hipóteses que configuram situações concretas de inexigibilidade de conduta diversa, quais sejam, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, nos termos do art. 22 do CP. 

A coação deve ser moral, na medida em que a coação física exclui a vontade do coagido, não havendo que se falar nem sequer em conduta. Do mesmo modo a coação moral deve ser irresistível, pois sendo resistível configura a hipótese de atenuante genérica da pena (art. 65, III, “c” do CP). A consequência é a punibilidade exclusiva do autor da coação, configurado uma das hipóteses de autoria mediata. 

A obediência hierarquia exige que a conduta decorra de uma ordem de superior hierárquico (titular de função pública) e que a ordem não seja manifestamente ilegal. A consequência é a punibilidade exclusiva do autor da ordem, configurado também uma das hipóteses de autoria mediata. 

Ocorre que, por mais minucioso que fosse o legislador, não seria possível prever todas as hipóteses que poderiam vir a configurar o instituto em análise, razão pela qual nada impede que outras situações sejam reconhecidas, no caso concreto, como hipótese de inexigência de conduta diversa. Cita-se como exemplo de inexigibilidade o excesso exculpante, que é o excesso na reação defensiva; o caso de aborto de feto anencefálico, que é citado por parte da doutrina; a desobediência civil, entre outros.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

MPSP 88 - A alteração do complemento da norma penal em branco pode gerar a sua retroatividade? Justifique a resposta.

Resolução da Prova dissertativa Ministério Públido de São Paulo - MPSP


Questão 1: A alteração do complemento da norma penal em branco pode gerar a sua retroatividade? Justifique a resposta.

Conforme ensina Rogério Sanches, existem quatro correntes doutrinarias que buscam responder a esta questão.

Uma primeira corrente entende que quando há alteração benéfica do complemento da norma penal em branco ela sempre deve retroagir para beneficiar o acusado, seguindo o mandamento constitucional. (CF, art. 5, XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”).

A segunda corrente entende que a alteração da norma penal em branco nunca retroage por não admitir a revogação das normas principais em consequência da revogação de seus complementos.

Uma terceira corrente entende que a alteração retroage ou não, dependendo das circunstâncias. Para esta corrente caso se trate de norma penal em branco homogênea (lei complementada por lei), uma vez alterado o complemento de forma benéfica haverá o efeito de retroatividade.

Em se tratando de norma penal em branco heterogênea (lei complementada por outra norma) só haverá retroatividade do complemento quando provocar uma real modificação da figura abstrata; não retroagirá todavia quando a modificação do complemento importe a mera alteração de circunstâncias, de atualizações.

Por fim, uma quarta corrente defende que a alteração benéfica da norma penal em branco homogênea retroage sempre; se o caso for de norma penal em branco heterogênea, quando a legislação complementar não se revestir de caráter excepcional ou temporário (art. 3º do CP) a modificação benéfica retroage.

Mirabete, sem distinguir as normas penais em branco entre homogêneas ou heterogêneas, assevera que: “(a) se a norma penal em branco tem caráter excepcional ou temporário, aplica-se o art. 3º do CP, sendo a norma complementar ultrativa; (b) se, ao contrário, não tem ela caráter temporário ou excepcional, aplica-se o art. 2º, parágrafo único, ocorrendo a abolitio criminis.
De acordo com Soler, só tem importância a variação da norma complementar na aplicação retroativa da lei penal em branco quando esta provoca uma real modificação da figura abstrata do direito penal, e não quando importe a mera modificação de circunstância que, na realidade, deixa subsistente a norma penal.

O STF já se pronunciou sobre a questão, tendo o Pretório Excelso se manifestado nos seguintes termos:

Habeas corpus. - Em princípio, o artigo 3. do Código Penal se aplica a norma penal em branco, na hipótese de o ato normativo que a integra ser revogado ou substituido por outro mais benefico ao infrator, não se dando, portanto, a retroatividade. - Essa aplicação só não se faz quando a norma, que complementa o preceito penal em branco, importa real modificação da figura abstrata nele prevista ou se assenta em motivo permanente, insusceptivel de modificar-se por circunstancias temporarias ou excepcionais, como sucede quando do elenco de doencas contagiosas se retira uma por se haver demonstrado que não tem ela tal caracteristica. "Habeas corpus" indeferido. (HC 73168 / SP - SÃO PAULO Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Julgamento: 21/11/1995)

PENAL. TRAFICO ILICITO DE SUBSTANCIA ENTORPECENTE. LEI 6368/76, ARTIGO 36. NORMA PENAL EM BRANCO. PORTARIA DO DIMED, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, CONTENEDORA DA LISTA DE SUBSTANCIAS PROSCRITAS. LANCA-PERFUME: CLORETO DE ETILA. I. O paciente foi preso no dia 01.03.84, por ter vendido lanca-perfume, configurando o fato o delito de trafico de substancia entorpecente, ja que o cloreto de etila estava incluido na lista do DIMED, pela Portaria de 27.01.1983. Sua exclusão, entretanto, da lista, com a Portaria de 04.04.84, configurando-se a hipótese do "abolitio criminis". A Portaria 02/85, de 13.03.85, novamente inclui o cloreto de etila na lista. Impossibilidade, todavia, da retroatividade desta. II. Adoção de posição mais favoravel ao réu. III. H.C. deferido, em parte, para o fim de anular a condenação por trafico de substancia entorpecente, examinando-se, entretanto, no Juízo de 1. grau, a viabilidade de renovação do procedimento pela eventual pratica de contrabando. (HC 68904 / SP - SÃO PAULO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 17/12/1991)

Em que pese a existência da divergência doutrinária, com base nos pronunciamentos do STF, pode-se afirmar que a alteração benéfica da norma penal irá retroagir conforme o caso concreto, da seguinte forma:

a) quando o complemento da norma penal também for uma lei (NPB homogênea) a alteração benéfica sempre retroage.

b) quando o complemento da norma penal for norma de outra natureza que não uma lei (NPB heterogênea) só haverá retroatividade quando a alteração modificar a figura típica abstrata do delito (ex. a retirada de determinada substância da lista que proíbe a venda de drogas). Caso a alteração seja meramente atualizadora, circunstancial, a modificação não retroagirá (ex. No crime de falsificação de moeda, aquele que falsificou cruzeiros não deixa de responder pelo crime em razão da alteração da moeda para o Real).

Em se tratando de norma penal temporária ou excepcional, a alteração benéfica do complemento não retroagirá em benefício do réu, aplicando-se o disposto no art. 3 do CP.