O
art. 16 da LACP (Lei 7.347/85), modificado pela Lei 9.494/97 dispõe
que:
"Art.
16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos
limites da competência territorial do órgão prolator,
exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."
A
redação do referido dispositivo sempre foi alvo de duras críticas
por parte da doutrina, a qual dizia ser o artigo inconstitucional e
ineficaz. Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr formulam as seguintes
críticas em sua obra Curso de Direito Processual Civil – Processo
Coletivo. Vol 4, 2009:
1)
a aplicação do artigo causa prejuízo a economia processual e
fomento ao conflito lógico e prático de julgados.
2)
o dispositivo representa ofensa aos princípios da igualdade e do
acesso à justiça, pois cria tratamento diferente aos
jurisdicionados em situação idêntica;
3)
existe indivisibilidade ontológica do objeto da tutela coletiva, ou
seja, é da natureza dos direitos coletivos sua não separatividade
no crso da demanda, sendo legalmente indivisíveis;
4)
há equivoco na técnica legislativa na medida em que se confunde
competência, como critério legislativo para repartição da
jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando
jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que
é uma em todo o território nacional;
5)
há ineficácia da regra de competência em si, vez que o legislador
estabeleceu no art. 93 do CDC que a competência para julgamento de
causas de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos
Estados ou no CF, ampliando, portanto, a “jurisdição do órgão
prolator”.
Nada
obstante, em que pese as inúmeras críticas da doutrina, a
jurisprudência majoritária, inclusive do STJ, mantinha o
entendimento no sentido de que a norma contida no art. 16 da LACP era
válida e eficaz. Neste sentido, colaciona-se o seguinte julgado de
abril de 2011:
AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA DA SENTENÇA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO
ÓRGÃO PROLATOR.
1.
A sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada
erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da
decisão, nos termos do art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei
9.494/97. Precedentes. Agravo no recurso especial não provido.
(AgRg no REsp 1105214 / DF
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0250917-1 Relatora Ministra NANCY
ANDRIGHI. Data do Julgamento 05/04/2011)
Ocorre
que no julgamento do REsp Nº 1.243.887 – PR, de dezembro de 2011,
a Corte Especial do STJ entendeu que as decisões tomadas em
ações civis públicas devem ter validade nacional, não tendo mais
suas execuções limitadas aos municípios onde foram proferidas,
afastando, assim, a incidência dos limites impostos pelo art. 16 da
LACP.
O
relator do caso foi o ministro Luis Felipe Salomão e a decisão se
deu em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos (543-C
do CPC), fazendo com que o precedente gere efeitos em outros
processos que tenham a mesma causa de pedir em relação aos limites objetivos e subjetivos das sentenças proferidas em processos coletivos.
Para
o STJ, a liquidação e a execução individual de sentença genérica
proferida em ação civil coletiva podem ser ajuizadas no foro do
domicílio do beneficiário, porque os efeitos e a eficácia da
sentença não estão circunscritos a limites geográficos, mas aos
limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em
conta a extensão do dano e a qualidade dos interesses
metaindividuais discutidos em juízo.
Segue
a ementa do julgado que representa a revisão do posicionamento do
STJ sobre o tema:
DIREITO
PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C,
CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X
BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO
INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS
DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE.
REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE.
OFENSA À COISA JULGADA.
1.
Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1.
A liquidação e a execução individual de sentença genérica
proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do
domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da
sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos
limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em
conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos
interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474,
CPC e 93 e 103, CDC).
1.2.
A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada
pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados
expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que
seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição
financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do
seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena
de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a
limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.
2.
Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.
3.
Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1243887
/ PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador CE -
CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 19/10/2011. Data da
Publicação/Fonte DJe 12/12/2011)
Ademais,
transcreve-se os seguintes trechos do voto do Ministro Relator:
“Com
efeito, como ocorreu no caso dos autos, pode o consumidor ajuizar a
liquidação/execução individual de sentença proferida em ação
civil pública no foro do seu próprio domicílio, e não se há
falar em limites territoriais da coisa julgada, como argumenta o
recorrente.
Aduz
o recorrente, nesse ponto, que o alcance territorial da coisa julgada
se limita à comarca na qual tramitou a ação coletiva, mercê do
art. 16 da Lei das Ações Civis Públicas (Lei n. 7.347/85)
(…)
Tal
interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidade prática da ação
coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala nacional ou
regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados
ou no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar
a tese do recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença
estaria restrito às capitais, excluindo todos os demais
potencialmente beneficiários da decisão.
A
bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos -
como coisa julgada e competência territorial - e induz a
interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os
"efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser
limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que
coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é
"efeito" ou "eficácia" da sentença, mas
qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la "imutável e
indiscutível".
É
certo também que a competência territorial limita o exercício da
jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais,
como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites
da lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que
o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum
disputatum vel disputari debebat.
A
apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre
nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode
ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse
salutar mecanismo de solução plural das lides.
(…)
A
antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual "a eficácia erga
omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal
competente para julgar o recurso ordinário" (REsp 293.407/SP,
Quarta Turma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial),
em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica,
deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das
ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e
uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual
objetivado na lide.
Caso
contrário, "esse diferenciado regime processual não se
justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado
de tutela judicial em sua dimensão coletiva, reconvertido e
pulverizado em multifárias demandas individuais" (MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Op. cit. p. 325), "atomizando" as lides
na contramão do moderno processo de "molecularização"
das demanas.” (REsp 1243887 / PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO. Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento
19/10/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 12/12/2011).