O “preservador premiado” é um
princípio novo e ainda pouco mencionado pelos doutrinadores, mas que
já é aplicável a alguns diplomas legais nacionais, como por
exemplo a nova lei de política nacional de resíduos sólidos de 2
de agosto de 2010.
Partindo da idéia inerente ao
princípio do poluidor/usuário pagador, cujo o escopo da norma é
prevenir e reparar os danos, o princípio do preservador premiado ou
protetor-recebedor visa estimular os indivíduos a terem uma atitude
ecologicamente correta, como por exemplo incentivar empresas a
fornecerem produtos e serviços que contribuam para a preservação
do meio ambiente e através disto obtenham vantagens fiscais.
Tal princípio também afetará o
usuário-pagador, destinatário final da cadeia de produção, pois
como os produtos ecologicamente corretos terão uma tributação mais
benéfica o preço final tenderá a será menor, estimulando o
consumidor a utilizar o produto ou serviço mais barato e menos
poluidor.
Obviamente,
a solução para crise ecológica não se encontra exclusivamente na
aplicação do Direito Tributário, entretanto, o tributo extrafiscal
é um instrumento de grande valia para tal desiderato.
A
tributação apresenta uma função além da arrecadadora de
receitas, tendo também características de norma de conduta. A
incidência tributária ocorre quando uma hipótese (prevista em lei)
contém a descrição de um fato ou ato, que quando ocorrido ensejará
a relação jurídica tributária. Assim, através de regulamento dos
atos e fatos o tributo tem o poder de influenciar as condutas dos
contribuintes.
A extrafiscalidade, presente na
tributação para fins não fiscais, visa induzir comportamentos dos
sujeitos passivos das obrigações tributárias e não propriamente
financiar o Estado. Assim, a tributação extrafiscal imposta pelo
Estado pode ser estimulante (incentivos e prêmios) ou desestimulante
(aumento da carga tributária).
Tanto
os incentivos e como os desestímulos fiscais são meios de aplicação
da extrafiscalidade, que muito embora tenham efeitos de ordem
financeira, estão invariavelmente intrínsecos a determinado
tributo, razão pela qual a extrafiscalidade se encontra no âmbito
do Direito Tributário.
Logo,
o uso da extrafiscalidade dos tributos cumulada com o princípio do
poluidor pagador, empregando-os de forma a incentivar atividades não
poluidoras e desestimular aquelas que deterioram o meio ambiente
resultariam no princípio do protetor-recebedor. Sendo que "o
proprietário de um bem natural só participará para a sua
conservação, à medida que os custos para evitar o dano ambiental
fiquem abaixo do custo de reparação do dano. Acima desse limite,
perde-se o interesse por uma redução da poluição", conforme
Cristiane Derani, citada por Leonardo Martim
Lenz.
Ora,
o princípio do poluidor pagador deve ser aplicado de forma racional,
porquanto,
caso seja manejado de modo abusivo e desproporcional, pode vir a ter
sua efetividade comprometida, na medida em que resultará na criação
de situações injustas. Cita-se como exemplo a criação de encargos
financeiros a pequenos empresários ou pequenos agricultores que
acabam por ter sua atividade econômica inviabilizada, sendo, assim,
impedidos de obter renda e lançados à marginalidade e miséria.
Ora, a tutela do meio ambiente não é um fim em si mesmo, devendo se
harmonizar com o ordenamento jurídico, atendendo aos fundamentos e
objetivos fundamentais da República, fixados nas cláusulas pétreas
dos art. 1º e 3º da Constituição Federal, dentre os quais se
destaca o princípio da dignidade humana.
Portanto a aplicação do princípio
do poluidor pagador não deve ser considerada como a solução para
os problemas ambientais, pois pode desestimular ações poluidoras
diretamente, mas indiretamente pode causar danos ainda maiores do que
aquele que buscava tutelar, caso seja utilizado de forma incorreta,
abusiva e desproporcional.
Deste modo a premiação do
preservador é essencial para um desenvolvimento econômico com
estímulo à pesquisa de novas tecnologias menos poluentes, bem como
à produção e ao consumo de bens e serviços ecológicos.
Atendendo a esta norma, o legislador
positivou na Lei 12.305/10 (Institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos) o princípio do protetor-recebedor, pois previu
expressamente no capítulo dos princípios e objetivos, o seguinte:
Art. 6o São princípios da Política
Nacional de Resíduos Sólidos:
(…)
II - o poluidor-pagador e o
protetor-recebedor;
(…)
E, adiante, dentre vários objetivos,
firmou os de incentivo à preservação ambiental (sanção positiva)
ao lado dos tradicionais de desestimulo com cominação de penas
(sanção negativa):
Art. 7o São objetivos da Política
Nacional de Resíduos Sólidos:
(...)
III - estímulo à adoção de padrões
sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços;
(...)
VI - incentivo à indústria da
reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e
insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;
(...)
XI - prioridade, nas aquisições e
contratações governamentais, para:
a) produtos reciclados e recicláveis;
b) bens, serviços e obras que
considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e
ambientalmente sustentáveis;
(...)
XIII - estímulo à implementação da
avaliação do ciclo de vida do produto;
XIV - incentivo ao desenvolvimento de
sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria
dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos,
incluídos a recuperação e o aproveitamento energético;
XV - estímulo à rotulagem ambiental
e ao consumo sustentável.
Por fim, concretizando o princípio do
preservador premiado ou protetor-recebedor, a Lei 12.305/10 contêm
um capítulo específico sobre instrumentos econômicos. Dentre as
medidas previstas na referida lei, pode o poder público instituir
medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, às
iniciativas, por exemplo, de desenvolvimento de produtos com menores
impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em seu ciclo de
vida; ou ainda, de implantação de infraestrutura física e
aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de
associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
formadas por pessoas físicas de baixa renda.
Não bastasse, indicando de forma
expressa a possibilidade de implementação do princípio em análise
mediante a extrafiscalidade dos tributos, a Lei de Política de
Resíduos Sólidos determina que:
Art. 44. A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências,
poderão instituir normas com o objetivo de conceder incentivos
fiscais, financeiros ou creditícios, respeitadas as limitações da
Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), a:
I - indústrias e entidades dedicadas
à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos
produzidos no território nacional;
II - projetos relacionados à
responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em
parceria com cooperativas ou outras formas de associação de
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por
pessoas físicas de baixa renda;
III - empresas dedicadas à limpeza
urbana e a atividades a ela relacionadas.
Verifica-se portanto que, atendendo ao
princípio do preservador premiado, que decorre da combinação do
princípio do poluidor-pagador com uma das formas da função
extrafiscal tributária, os entes federativos podem instituir normas
com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros ou
creditícios aos contribuíntes que promovam a reciclagem, que
realizem projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida
dos produtos, e a empresas dedicadas à limpeza urbana.
Destarte, através da extrafiscalidade
por incentivos fiscais o Poder Público estimula os indivíduos a
adotar condutas que a ordem jurídica considera conveniente, objetivo
a ser alcançado mediante a diminuição da carga tributária ou
concessão de benefícios financeiros ou creditícios. Com a
implementação de instrumentos econômicos (Art. 8º, IX e Capítulo
V da Lei 12.305/10) se atinge os objetivos de estímulo à adoção
de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços
e incentivo à indústria da reciclagem (art. 7º da Lei 12.305/10)
tudo com base no princípio do protetor-recebedor (art. 6º, II da
Lei 12.305/10), o qual encontra respaldo constitucional no preceito
do poluidor-pagador, pois dele decorre.