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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Resolução da Prova II do MPSP de 2010 - Peça Prática


Resolução da Prova dissertativa Ministério Públido de São Paulo - MPSP
PEÇA PRÁTICA – DIREITO PENAL

Gustavo Leon compareceu ao estabelecimento comercial “Paraíso do Lar” na cidade de Angatuba (SP), munido de um talonário do Banco do Brasil, agência Sorocaba, em nome de Rodolfo Bovare, com a intenção de adquirir um televisor. Referido talonário, bem como o cartão bancário, foram subtraídos pelo próprio agente, dias antes, da residência de Rodolfo, na mesma cidade de Angatuba, mediante arrombamento de uma janela. Após escolher a mercadoria, já devidamente acondicionada, entregou no caixa à funcionária competente um cheque, que preencheu no valor de R$ 1.750,00, fazendo-se passar por Rodolfo Bovare. Naquele ato, preencheu ficha cadastral com os dados pessoais do correntista, endereço e qualificação profissional, todos fictícios. Em instantes, após constatar, por meio de consulta telefônica de praxe, dado o elevado valor da operação, que se tratava de cheque furtado, o gerente da loja comunicou o fato à Polícia, ao que se seguiu a prisão em flagrante de Gustavo ainda no local.  O inquérito policial, a seguir instaurado, foi bem instruído, contendo, inclusive, perícia grafotécnica que comprovou o irregular preenchimento e assinatura do título e da ficha cadastral pelo indiciado, dando origem a denúncia do Ministério Público, sendo os fatos classificados como crimes de furto qualificado, estelionato na modalidade tentada, falsidade ideológica e falsa identidade, todos em concurso material. Após a instrução probatória, manifestando-se as partes, o MM. Juiz da comarca julgou improcedente a ação penal e absolveu o réu Gustavo Leon, fundamentando com a existência de: a) crime impossível (tentativa de estelionato), b) crimes-meio (falsidade ideológica e falsa identidade), c) antefato impunível (furto). Na qualidade de outro promotor de justiça em exercício na comarca, a tomar ciência da sentença, o candidato deve apresentar as razões recursais que entender pertinentes, resguardada a independência funcional, relativamente à absolvição e à classificação jurídica dos fatos.

Resposta:

Excelentíssimos Senhores Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Colenda Câmara Criminal

Trata-se de Ação Penal em que o apelado foi denunciado como incurso nos crimes de furto qualificado, tentativa de estelionato, falsidade ideológica e falsa identidade. Ao final do curso do processo o magistrado a quo absolveu o apelado. Incoformando-se com a decisão o órgão do MP interpôs recurso de apelação.

Apresenta-se neste momento, portanto, a razões recursais.

Inicialmente, considerando que tratam os autos de delitos diversos, passa-se a análise de cada tipo penal individualmente em tópicos distintos.

Do crime de furto:

Conforme consta na denúncia, o apelado perpetrou a subtração de cartão bancário e talonário de cheque da residência da vítima dias antes de ser preso em flagrante, quando perpetrava um segundo crime de estelionato.

Em sentença de fls. O magistrado de primeiro grau absolveu o réu sob o fundamento de o furto consistir em antefato impunível, considerando-o ato preparatório para o posterior estelionato.

Ocorre que, data venia, a razão não assiste o juízo a quo. É pacífico o entendimento de que um delito perpetrado em momento anterior (dias antes), bem como com elemento subjetivo próprio (dolo de subtrair) é um crime autônomo. 

Logo, considerando-se que o furto foi perpetrado em contexto fático diverso do crime de estelionato, bem como que houve claro desígnio autônomo, não há que se falar em absorção ou conflito aparente de normas a ser resolvido pela consunção. O caso é, evidentemente, de concurso material de crimes (art. 69 do CP).

Não bastasse, foram subtraídos outros objetos além do talonário de cheques, o que por si só impede o reconhecimento de ser o furto um ato anterior impunível ao estelionato.

Vencido este argumento (de inexistência de conflito aparente de normas - consunção), conclui-se que a condenação do apelado pelo crime de furto é de rigor, na medida em que há prova da materialidade e prova da autoria, conforme se depreende no constante em fls..

Do mesmo há prova suficiente da presença da circunstância qualificadora do art. 155, §4, I do CP, vez que conforme o constante em fls. Restou cabalmente comprovado que o apelado logrou acesso à residência da vítima mediante o arrombamento de uma janela.

Assim, demonstrada a materialidade e autoria do crime, bem como a circunstância de rompimento de obstáculo, entende-se que o apelado merece condenação pela prática de furto qualificado.

Do crime de estelionato:

Conforme se depreende das provas coligidas, na data dos fatos, o apelado foi preso em flagrante quando tentava adquirir um televisor, fazendo-se passar por outrem e entregando como forma de pagamento um cheque produto de subtração anterior, artifício mediante o qual pretendia obter vantagem ilícita em prejuízo alheio.

Nada obstante, ao fim do processo o juízo a quo absolveu o apelado alegando que a conduta a ele imputada configuraria crime impossível (art. 17 do CP).

Ocorre que, como é sabido, o CP adotou a teoria objetiva temperada no que tange a impossibilidade de consumação de um delito, haja vista o teor do art. 17 do referido diploma legal. Conforme tal teoria um crime só é considerado impossível quando houver ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do objeto.

Logo, só há que se falar em crime impossível quando depois de iniciada a execução, independentemente das circunstâncias, o agente nunca conseguiria atingir o fim pretendido.

No caso dos autos os meios utilizados pelo apelado eram plenamente eficazes, pois se buscou ludibriar outrem com um cheque verdadeiro, porém furtado. O delito só não veio a se consumar por circunstância acidental, uma falha na execução do caso concreto. Só haveria que se falar em crime impossível na hipótese de, por exemplo, o cheque apresentado ser muito grosseiramente falsificado e qualquer pessoa pudesse verificar sua inidoneidade de plano, tornando-o meio absolutamente ineficaz para ludibriar a vítima, o que, evidentemente, não é o caso dos autos.

Destarte, uma vez comprovada a materialidade e autoria do crime de estelionato, a condenação do apelado também por este crime é medida necessária.

Nada obstante, considerando que a consumação do crime (obtenção da vantagem ilícita) não veio a ocorrer, sendo portanto tentado, há que se aplicar ao apelado a redução da pena prevista no art. 14, parágrafo único do CP (causa de diminuição da pena).

Da falsidade ideológica e da falsa identidade:

Por fim, quanto a estes dois últimos delitos, o Ministério Público entende que foi correto o entendimento do juízo a quo, na medida em que tais condutas foram absorvidas pelo estelionato, sendo meios necessários e elementos do engodo aplicado pelo agente para atingir seu objetivo de ludibriar o ofendido.

Na hipótese do presente feito, considerando que as falsidades se exauriram no golpe aplicado, há a incidência do enunciado previsto na súmula n. 17 do STJ.

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer o recebimento do presente recurso de apelação para, ao final, dar-lhe provimento, reformando-se a sentença do juízo a quo para condenar o apelado pela prática dos crimes de furto qualificado e estelionato na forma tentada, mantendo-se a absolvição no que tange aos crimes de falsidade ideológica e falsa identidade.

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